quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Rrruuummmmm



O pequeno ponto no horizonte que é a saída da A5 para o Estoril aproxima-se do meu nariz à velocidade de 75 metros por segundo. A cinquenta metros da entrada da curva desato a metralhar mudanças para baixo, até encaixar a terceira. Com a delicadeza de uma bailarina de trezentos quilos instalo-me na minha trajectória de curva, atrás do pastel do enlatado que segue a menos duzentos km/h que eu. Há falta de espaço para o passar no meio da curva forço ainda mais as rotações. Mais do que só travões, é o motor da Hayabusa o responsável pela desaceleração brutal. Os olhos quase que me saltam das órbitas, enquanto os ouvidos estalam com o grunhido metálico das rotações altas. Para minha surpresa, o meu cunhado passa-me pela esquerda. E bem por cima do som da Busa, o ar enche-se do ronco grave mas cristalino da R1, tão limpo e certinho que até parece que dá para contar a rotação dos cilindros uma a uma. “Mas que porra!?, como é que raio é que o gajo se meteu entre o carro e o rail, a meio da curva e ainda o passou como se tivesse três faixas só para ele!?”. Com a Ninja 12, ou a Busa teria sido loucura a mais fazer aquilo. Com a R1 parecia canja.

Dois minutos depois, parados em frente ao Joaquim Oliveira (representante oficial da Yamaha em S. João do Estoril), tirávamos os capacetes e até os transeuntes que passavam distraídos no lado oposto da rua devem ter visto o sorriso rasgado que ele trazia.

- Mano, é esta mesmo!

O testdrive à Yamaha R1, “Rum” como já lhe chamávamos, tinha chegado ao fim e tanto ele como eu estávamos rendidos aos encantos da little devil. Ele fechou negócio logo ali, tal era o tamanho da nova paixão. Foi com grande pesar e muita certeza que nos despedimos da Ninja 12 maravilha. E quase que até eu me desfazia da Busa também, não tivesse a minha pelintrice falado mais alto.

Porém, chegar aqui foi um parto difícil.
Pelos vistos, e ao contrário do que seria de supor, não basta ter vontade e dinheiro para comprares a mota dos teus sonhos. Se não vejamos, muito antes da Rum, ele começou por querer trocar a Ninja 12 por uma BMW K1200S, abortou; a seguir por uma GSXR 1000R preta, abortou, depois por uma preto e laranja, depois por uma azul e branco; e ao fim de 9 meses ainda nem um sinal de mota nova. De cada vez que decidia comprar uma, por alguma razão, a coisa acabava em nada.
Escolher a BMW K1200S fazia sentido porque ele queria manter o mesmo nível de performance mas ganhar em conforto. Ele já tinha feito um testdrive uns meses antes, e achou logo que era um estrondo de mota. Uma Bm com um certo espírito de ninja. Capaz de fazer tremer as hiperdesportivas japonesas, com o seu quatro cilindros em linha de167cv e, por na altura ser a campeã em várias outras áreas (como em conforto e soluções inovadoras super eficazes) até se mostrou capaz de as mandar ao tapete.
Apesar de não superar nem a ZZR 1400 nem a Busa em performance, está ao nível.
Em (quase) tudo o resto ganha vantagem. Tem a espantosa capacidade de passar lombas como quem passa por cima de montinhos de algodão. Um dos grandes responsáveis por isto é o trem da frente, que usa o inovador sistema Duolever. “Dói a quem?”. Dizes tu, como disse eu. Não fazia puto ideia de raio era aquilo. Agora continuo sem saber, mas já percebi que é uma cena que funciona muito bem. Tem uma configuração diferente da tradicional forquilha e é uma evolução do Telelever. A grande vantagem é conseguir evitar o afundamento excessivo em travagem, típico da forquilha (o afundamento tem uma influência chata no comportamento da mota, que piora em piso irregular), mas mantém apenas o suficiente para transmitir ao condutor informação necessária sobre o que se está a passar lá em baixo com a roda da frente, e isso foi uma melhoria muito bem vinda. O pessoal agradece, porque nos deixa abusar mais da frente, e de forma mais agressiva.
Assim, temos uma BM boa, gira, com personalidade e racing. Custa os olhos da cara e as pestanas também. E se a mandares vir com todos os opcionais (uma tentação dos diabos) então vai custar-te também o cuzinho.
Havia ainda uma outra razão, um pouco mais obscura, para ele querer a Bm. Um devaneio cerebral que ele teve. Na altura queria uma mota mais calminha do que a 12 (é preciso pôr as coisas em perspectiva, não se trata de chamar à Beemer uma mota dócil, trata-se de que não deve haver nada mais endiabrado que a Kawa). “Ok! Embrulhe uma preta para levar, sff”.
Certo, certo. Passadas três semanas, telefonema do vendedor:

- Temos aqui a sua mota... cinzenta! – com entusiasmo forçado.
- Desculpe?!, era uma preta!... – respondeu o ninjabroder, passado dos carretos.
- Ah, e tal... pretas não há... mas temos aqui esta cinzenta/amarelinha, pronta a sair... espectacular, a cor da moda... o preto nem por isso... e blá blá blá...
- Deixe-me pensar bem sobre o assunto, NÃO!”.

Posto isto, o raciocínio dele foi lógico “Isto é um sinal claro de que não estou destinado a ter uma mota mais calma... muito bem, venha uma GSXR 1000R”. Já que não conseguiu comprar uma mota mais civilizada, virou-se para o rei dos hooligans. Começou a nossa romaria aos stands da Suzuki. Ele, lá pelos conhecidos dele no Algarve e eu, como bom mano empenhado em ajudá-lo a ter uma K7 novinha que eu pudesse experimentar, fui visitar os meus amigos da Suzuki em Lisboa. Mas ele não teve dificuldade em fechar um negócio. No representante oficial em Loulé deram-lhe logo 8 mil pela 12 e mais promessas rasgadas de que a K7 lá estaria dali a uma semana, em preto. Lindo! Até já lhe sentíamos o cheiro. Há a ideia generalizada de que a K7 é a melhor representante de uma longa linhagem de vencedoras do título de melhor superbike do mundo. Em pista e na estrada deu provas disso. Nos últimos 3 anos ganhou vários campeonatos mundiais e domésticos (entre eles o mundial de superbikes). E nas revistas da especialidade conquistou repetidas vezes testes e críticas. Eu nunca andei numa. Aliás, nunca tinha andado numa “mil”, e o ex-ninjabroder também não. Os testemunhos de quem andou são suficientes para eriçar os pêlos da nuca. Em terceira, a 150 km/h, se lhe dás gás a fundo ela saca cavalo só de acelerador. Curva até roçar o cotovelo no alcatrão com a certeza de quem vai agarrado a um carril. Hooliganismo é à fartazana, tipo cavalos e éguas, entre outros. O motor é gajo para nos arrancar os bracitos pois, surpreendentemente para uma mil, desenhada para cagar rotações, vem carregada de binário. E eu até já ouvi um experiente piloto dizer que prefere mais andar na Busa do que na GSXR, porque a Busa o faz andar mais calmo (!?). A mim que vivo na Hayabusalândia fez-me uma certa confusão ele dizer isso. Mas depois de andar na Rum, até consegui começar a imaginar o porquê de ele dizer aquilo. Segundo dizem algumas línguas, a GSXR 1000 R é o mundo perfeito. Alia um chassis capaz de fazer o mesmo que a sua irmã mais pequena de 750cc (eleita pelos ingleses como o melhor de todos os mundos), mas com o motor mais potente e mais cheio. É estupidamente leve e o chassis, na sua essência, é o mesmo que ganha campeonatos do mundo. É gira. Não é uma Ducati 998, mas é gira. Passei a gostar da preto/laranja depois de ter visto ao vivo. As linhas são de beleza morna, não me provocam uma ferida no coração só de olhar. Mas olhando para ela o que me põe maluco são as promessas escondidas pelo chassis e o punho direito. O ninjabroder queria em preto. Estava feito.

Uma semana... duas semanas... três semanas a voar, la la la e gixxer que é bom, nada! Um mês... dois meses... três meses a voar e a gixxer nem vê-la. E atenção que estamos a falar dos meses de Verão. Tipicamente, as vendas das motas aumentam. O sol abre o apetite ao pessoal. Os devoradores de alcatrão aparecem que nem baratas num quarto escuro e muitos decidem nesta altura trocar de mota. Seria de esperar que os vendedores se esmerdassem para servir motas novas numa bandeja de prata a quem passa. Neste caso em particular, não. Ou os stands da Suzuki se uniram todos numa conspiração macabra para impedir que o ninjabroder satisfizesse a sua fome de K7, ou houve de facto falta de motas a chegar a Portugal. Ou um bocado dos dois, que nestas coisas a verdade fica sempre no meio. Por outro lado, o representante da Suzi Loulé deve-se ter arrependido de dar 8 mil Euros pela Ninja 12. O que constitui primeiro um erro dele, do qual se arrependeu depois de ter aberto a boca. E depois é um velho problema da Kawasaki, cujo valor percepcionado em usados é anormalmente baixo. Quanto ao vendedor, ele quis fazer o negócio, por isso terá aceite o valor, imaginando que lhe parecia razoável, para garantir que a coisa ia para a frente e só depois terá procurado informar-se se conseguiria desfazer-se dela rapidamente e com lucro. Até aqui tudo normal. Depois deve ter concluído que não conseguia despachá-la de um dia para o outro, talvez nem mesmo de um ano para o outro. Eu não sei de onde apareceu essa fama. Acho esta 12 uma excelente compra, para uma usada. Uma forma barata de ter nas mãos uma das motas com mais performance do mundo. A dele até está em boas condições e ser Kawasaki não me mete medo. É uma máquina de alta performance que precisa da manutenção certa, nas alturas certas, por quem a sabe fazer e ponto. Está certo que eu conheço bem aquela mota em particular. Mas isso é um problema da categoria “usados” e não da marca “Kawasaki”. Como me disse o meu amigo da Suzuki, é uma ideia feita e não se desfaz do dia para a noite.
Entretanto, o gajo da Suzuki desfazia-se em desculpas adiando cada vez mais o negócio. E quanto ao pessoal de Lisboa torciam o nariz sempre que eu aparecia com ideias deles fazerem negócio com o meu cunhado. Cada vez que mencionava “Ninja 12” os rapazes faziam-me uns olhos de misericórdia que mais pareciam dizer “deixa lá, prefiro não vender nada”. Passou-se o Verão e o desgraçado do ninjabroder sem andar de mota, porque estando na eminência de a trocar não lhe queria pôr kms, nem gastar-lhe os pneus, nem correr o risco de sofrer um acidente.

Um dia ele falou da R1. Que era louca. Eu sugeri que déssemos um saltinho à Yamaha do Oliveira, simplesmente porque fica mesmo ao lado da minha casa. Entrámos no stand para ver a R1, sem expectativas. Encontrámos um tipo apaixonado por aquilo que tem para oferecer. Para mim isso é meio caminho andado para me venderem seja o que for. Ele falou-nos da nova R1 de 2007, de como estava muito melhor. Disse que nos espantaria o facto de ser tão fácil de conduzir. Só a frase em si já me causava estranheza. Lembrei-me de estar sentado na R1, modelo de 2005, aquilo parecia tudo menos fácil de conduzir. Os joelhos a tocar nas orelhas, dores nos pulsos e costas só de pensar em conduzir naquela posição. E, açulada por um motor super pontudo, parecia vir com atitude de adolescente nervoso, toda ela sangue na guelra. Mas esta, segundo dizia ele, não. Segundo ele, este novo modelo vem com uns tiques e toques que a tornaram mais amiga do condutor, no conforto e na facilidade de utilização. Mas sem perder o carácter diabólico de um mil desenhada para ser campeã do mundo. Ele propôs um testdrive para a semana seguinte.

O resultado final já tu sabes, foi assim que esta começou história. Quanto às emoções e impressões do teste (e que teste que foi!), tal como nós aguentámos uma semana, também tu podes conhecer daqui a uns dias.