quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Rrruuummmmm



O pequeno ponto no horizonte que é a saída da A5 para o Estoril aproxima-se do meu nariz à velocidade de 75 metros por segundo. A cinquenta metros da entrada da curva desato a metralhar mudanças para baixo, até encaixar a terceira. Com a delicadeza de uma bailarina de trezentos quilos instalo-me na minha trajectória de curva, atrás do pastel do enlatado que segue a menos duzentos km/h que eu. Há falta de espaço para o passar no meio da curva forço ainda mais as rotações. Mais do que só travões, é o motor da Hayabusa o responsável pela desaceleração brutal. Os olhos quase que me saltam das órbitas, enquanto os ouvidos estalam com o grunhido metálico das rotações altas. Para minha surpresa, o meu cunhado passa-me pela esquerda. E bem por cima do som da Busa, o ar enche-se do ronco grave mas cristalino da R1, tão limpo e certinho que até parece que dá para contar a rotação dos cilindros uma a uma. “Mas que porra!?, como é que raio é que o gajo se meteu entre o carro e o rail, a meio da curva e ainda o passou como se tivesse três faixas só para ele!?”. Com a Ninja 12, ou a Busa teria sido loucura a mais fazer aquilo. Com a R1 parecia canja.

Dois minutos depois, parados em frente ao Joaquim Oliveira (representante oficial da Yamaha em S. João do Estoril), tirávamos os capacetes e até os transeuntes que passavam distraídos no lado oposto da rua devem ter visto o sorriso rasgado que ele trazia.

- Mano, é esta mesmo!

O testdrive à Yamaha R1, “Rum” como já lhe chamávamos, tinha chegado ao fim e tanto ele como eu estávamos rendidos aos encantos da little devil. Ele fechou negócio logo ali, tal era o tamanho da nova paixão. Foi com grande pesar e muita certeza que nos despedimos da Ninja 12 maravilha. E quase que até eu me desfazia da Busa também, não tivesse a minha pelintrice falado mais alto.

Porém, chegar aqui foi um parto difícil.
Pelos vistos, e ao contrário do que seria de supor, não basta ter vontade e dinheiro para comprares a mota dos teus sonhos. Se não vejamos, muito antes da Rum, ele começou por querer trocar a Ninja 12 por uma BMW K1200S, abortou; a seguir por uma GSXR 1000R preta, abortou, depois por uma preto e laranja, depois por uma azul e branco; e ao fim de 9 meses ainda nem um sinal de mota nova. De cada vez que decidia comprar uma, por alguma razão, a coisa acabava em nada.
Escolher a BMW K1200S fazia sentido porque ele queria manter o mesmo nível de performance mas ganhar em conforto. Ele já tinha feito um testdrive uns meses antes, e achou logo que era um estrondo de mota. Uma Bm com um certo espírito de ninja. Capaz de fazer tremer as hiperdesportivas japonesas, com o seu quatro cilindros em linha de167cv e, por na altura ser a campeã em várias outras áreas (como em conforto e soluções inovadoras super eficazes) até se mostrou capaz de as mandar ao tapete.
Apesar de não superar nem a ZZR 1400 nem a Busa em performance, está ao nível.
Em (quase) tudo o resto ganha vantagem. Tem a espantosa capacidade de passar lombas como quem passa por cima de montinhos de algodão. Um dos grandes responsáveis por isto é o trem da frente, que usa o inovador sistema Duolever. “Dói a quem?”. Dizes tu, como disse eu. Não fazia puto ideia de raio era aquilo. Agora continuo sem saber, mas já percebi que é uma cena que funciona muito bem. Tem uma configuração diferente da tradicional forquilha e é uma evolução do Telelever. A grande vantagem é conseguir evitar o afundamento excessivo em travagem, típico da forquilha (o afundamento tem uma influência chata no comportamento da mota, que piora em piso irregular), mas mantém apenas o suficiente para transmitir ao condutor informação necessária sobre o que se está a passar lá em baixo com a roda da frente, e isso foi uma melhoria muito bem vinda. O pessoal agradece, porque nos deixa abusar mais da frente, e de forma mais agressiva.
Assim, temos uma BM boa, gira, com personalidade e racing. Custa os olhos da cara e as pestanas também. E se a mandares vir com todos os opcionais (uma tentação dos diabos) então vai custar-te também o cuzinho.
Havia ainda uma outra razão, um pouco mais obscura, para ele querer a Bm. Um devaneio cerebral que ele teve. Na altura queria uma mota mais calminha do que a 12 (é preciso pôr as coisas em perspectiva, não se trata de chamar à Beemer uma mota dócil, trata-se de que não deve haver nada mais endiabrado que a Kawa). “Ok! Embrulhe uma preta para levar, sff”.
Certo, certo. Passadas três semanas, telefonema do vendedor:

- Temos aqui a sua mota... cinzenta! – com entusiasmo forçado.
- Desculpe?!, era uma preta!... – respondeu o ninjabroder, passado dos carretos.
- Ah, e tal... pretas não há... mas temos aqui esta cinzenta/amarelinha, pronta a sair... espectacular, a cor da moda... o preto nem por isso... e blá blá blá...
- Deixe-me pensar bem sobre o assunto, NÃO!”.

Posto isto, o raciocínio dele foi lógico “Isto é um sinal claro de que não estou destinado a ter uma mota mais calma... muito bem, venha uma GSXR 1000R”. Já que não conseguiu comprar uma mota mais civilizada, virou-se para o rei dos hooligans. Começou a nossa romaria aos stands da Suzuki. Ele, lá pelos conhecidos dele no Algarve e eu, como bom mano empenhado em ajudá-lo a ter uma K7 novinha que eu pudesse experimentar, fui visitar os meus amigos da Suzuki em Lisboa. Mas ele não teve dificuldade em fechar um negócio. No representante oficial em Loulé deram-lhe logo 8 mil pela 12 e mais promessas rasgadas de que a K7 lá estaria dali a uma semana, em preto. Lindo! Até já lhe sentíamos o cheiro. Há a ideia generalizada de que a K7 é a melhor representante de uma longa linhagem de vencedoras do título de melhor superbike do mundo. Em pista e na estrada deu provas disso. Nos últimos 3 anos ganhou vários campeonatos mundiais e domésticos (entre eles o mundial de superbikes). E nas revistas da especialidade conquistou repetidas vezes testes e críticas. Eu nunca andei numa. Aliás, nunca tinha andado numa “mil”, e o ex-ninjabroder também não. Os testemunhos de quem andou são suficientes para eriçar os pêlos da nuca. Em terceira, a 150 km/h, se lhe dás gás a fundo ela saca cavalo só de acelerador. Curva até roçar o cotovelo no alcatrão com a certeza de quem vai agarrado a um carril. Hooliganismo é à fartazana, tipo cavalos e éguas, entre outros. O motor é gajo para nos arrancar os bracitos pois, surpreendentemente para uma mil, desenhada para cagar rotações, vem carregada de binário. E eu até já ouvi um experiente piloto dizer que prefere mais andar na Busa do que na GSXR, porque a Busa o faz andar mais calmo (!?). A mim que vivo na Hayabusalândia fez-me uma certa confusão ele dizer isso. Mas depois de andar na Rum, até consegui começar a imaginar o porquê de ele dizer aquilo. Segundo dizem algumas línguas, a GSXR 1000 R é o mundo perfeito. Alia um chassis capaz de fazer o mesmo que a sua irmã mais pequena de 750cc (eleita pelos ingleses como o melhor de todos os mundos), mas com o motor mais potente e mais cheio. É estupidamente leve e o chassis, na sua essência, é o mesmo que ganha campeonatos do mundo. É gira. Não é uma Ducati 998, mas é gira. Passei a gostar da preto/laranja depois de ter visto ao vivo. As linhas são de beleza morna, não me provocam uma ferida no coração só de olhar. Mas olhando para ela o que me põe maluco são as promessas escondidas pelo chassis e o punho direito. O ninjabroder queria em preto. Estava feito.

Uma semana... duas semanas... três semanas a voar, la la la e gixxer que é bom, nada! Um mês... dois meses... três meses a voar e a gixxer nem vê-la. E atenção que estamos a falar dos meses de Verão. Tipicamente, as vendas das motas aumentam. O sol abre o apetite ao pessoal. Os devoradores de alcatrão aparecem que nem baratas num quarto escuro e muitos decidem nesta altura trocar de mota. Seria de esperar que os vendedores se esmerdassem para servir motas novas numa bandeja de prata a quem passa. Neste caso em particular, não. Ou os stands da Suzuki se uniram todos numa conspiração macabra para impedir que o ninjabroder satisfizesse a sua fome de K7, ou houve de facto falta de motas a chegar a Portugal. Ou um bocado dos dois, que nestas coisas a verdade fica sempre no meio. Por outro lado, o representante da Suzi Loulé deve-se ter arrependido de dar 8 mil Euros pela Ninja 12. O que constitui primeiro um erro dele, do qual se arrependeu depois de ter aberto a boca. E depois é um velho problema da Kawasaki, cujo valor percepcionado em usados é anormalmente baixo. Quanto ao vendedor, ele quis fazer o negócio, por isso terá aceite o valor, imaginando que lhe parecia razoável, para garantir que a coisa ia para a frente e só depois terá procurado informar-se se conseguiria desfazer-se dela rapidamente e com lucro. Até aqui tudo normal. Depois deve ter concluído que não conseguia despachá-la de um dia para o outro, talvez nem mesmo de um ano para o outro. Eu não sei de onde apareceu essa fama. Acho esta 12 uma excelente compra, para uma usada. Uma forma barata de ter nas mãos uma das motas com mais performance do mundo. A dele até está em boas condições e ser Kawasaki não me mete medo. É uma máquina de alta performance que precisa da manutenção certa, nas alturas certas, por quem a sabe fazer e ponto. Está certo que eu conheço bem aquela mota em particular. Mas isso é um problema da categoria “usados” e não da marca “Kawasaki”. Como me disse o meu amigo da Suzuki, é uma ideia feita e não se desfaz do dia para a noite.
Entretanto, o gajo da Suzuki desfazia-se em desculpas adiando cada vez mais o negócio. E quanto ao pessoal de Lisboa torciam o nariz sempre que eu aparecia com ideias deles fazerem negócio com o meu cunhado. Cada vez que mencionava “Ninja 12” os rapazes faziam-me uns olhos de misericórdia que mais pareciam dizer “deixa lá, prefiro não vender nada”. Passou-se o Verão e o desgraçado do ninjabroder sem andar de mota, porque estando na eminência de a trocar não lhe queria pôr kms, nem gastar-lhe os pneus, nem correr o risco de sofrer um acidente.

Um dia ele falou da R1. Que era louca. Eu sugeri que déssemos um saltinho à Yamaha do Oliveira, simplesmente porque fica mesmo ao lado da minha casa. Entrámos no stand para ver a R1, sem expectativas. Encontrámos um tipo apaixonado por aquilo que tem para oferecer. Para mim isso é meio caminho andado para me venderem seja o que for. Ele falou-nos da nova R1 de 2007, de como estava muito melhor. Disse que nos espantaria o facto de ser tão fácil de conduzir. Só a frase em si já me causava estranheza. Lembrei-me de estar sentado na R1, modelo de 2005, aquilo parecia tudo menos fácil de conduzir. Os joelhos a tocar nas orelhas, dores nos pulsos e costas só de pensar em conduzir naquela posição. E, açulada por um motor super pontudo, parecia vir com atitude de adolescente nervoso, toda ela sangue na guelra. Mas esta, segundo dizia ele, não. Segundo ele, este novo modelo vem com uns tiques e toques que a tornaram mais amiga do condutor, no conforto e na facilidade de utilização. Mas sem perder o carácter diabólico de um mil desenhada para ser campeã do mundo. Ele propôs um testdrive para a semana seguinte.

O resultado final já tu sabes, foi assim que esta começou história. Quanto às emoções e impressões do teste (e que teste que foi!), tal como nós aguentámos uma semana, também tu podes conhecer daqui a uns dias.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Vivendo e aprendendo a viver rápido

A cena engraçada dos clichés é serem irritantemente verdadeiros. Hoje ia a caminho do trabalho e um pensamento banal buzinava-me na cabeça: o cérebro humano é uma coisa espantosa. Não era por acaso que o cliché não me largava as ideias. Eu estava espantado com a capacidade de adaptação do cérebro à velocidade. O mais curioso deve-se ao facto de isto se ter passado indo eu tão devagar. Não, juro, fora de brincadeiras, ia mesmo devagar. E digo-vos, isso não é coisa fácil na Hayabusalândia.

Há uma razão para a minha pacata velocidade e não foi ter apanhado um cagaço monumental. É a desgraçada da transmissão. Começou a avisar-me que está prestes a render a alma ao criador. Para quem não sabe (eu não sabia) a transmissão secundária é composta por 3 peças: pinhão de ataque, cremalheira e corrente. Em última análise é o que faz a mota andar porque, simplisticamente, é o que liga o motor à roda. Com o tempo (± 20 mil kms nas minhas mãos), na Hayabusa estas três pecitas começaram a sofrer duma enfermidade a que se atribui o adjectivo “ovalizada”. O pinhão de ataque e a cremalheira – rodas dentadas tipo as das bicicletas – ficam com os dentes curvos, deformados pelo calor e forças a que são sujeitos, enquanto que a corrente fica – falha-me uma descrição mais técnica – completamente fodida. A corrente começa a bater porque parece que está larga. Na verdade os elos estão deformados. Numas partes está esticada, e noutras completamente larga, tornando impossível a afinação. Também significa que os O’rings estão fracos, pelo que a resistência e flexibilidade da corrente estão seriamente comprometidas. Na prática, ela começa a dizer-te que está mal de saúde, soltando “ais” e “uis” ao bater em todo lado. Isso só quer dizer uma coisa – Troca-me.

A enfermidade da Busa obrigou-me a andar meeeeeeeeeeesmo devagarito, com arranques muuuuito lentos, e sem passar dos 90/100 km/h. Quase que já adormeci!, perdoem-me a heresia Ó passarada da Hayabusalândia!, mas andar na Busa assim é uma seca, sobretudo porque um tipo sabe do que ela é capaz.
Isto obrigou-me a reprogramar o cérebro. Por exemplo, se vou a serpentear entre filas tenho de me lembrar que não posso acelerar dos 40 aos 120 em dois segundos para me safar do trânsito. Passar mais devagar entre dois carros significa que facilmente posso ficar entalado. O melhor é ficar atrás. As ultrapassagens são mais lentas, o que dá mais azo a levar com um enlatado distraído, de telemóvel na mão, porque de repente se lembrou que precisa mesmo de ir para a faixa da esquerda, ainda que não haja carros à frente dele. Fico atrás, não posso acelerar à bruta, não vá a corrente partir-se. A sensação #1 na Hayabusalândia – abrir o punho alarvemente à saída das curvas, com a traseira a dar-lhe no slide – teve de ser castrada à naifada. Aqueles impulsos de “ia a 120 mas a mosca mordeu-me e agora vou a 240” também tiveram de levar tratamento idêntico e com recurso ao colete de forças. E assim lá fui anestesiando as ideias para poupar a transmissão enquanto não é trocada.

Andava nestes preparos, sem nada de interessante para fazer em cima da besta, quando comecei a perceber como, ao longo destes 3 anos e meio de Hayabusalândia, a minha percepção de velocidade tinha sido alterada. Essa noção começa a ser adquirida assim que um gajo põe a mão pela primeira vez na Hayabusalândia, isto é, pôr-lhe a mão no acelerador. (Quando o vendedor da Suzuki me disse para não passar das 6 mil rotações durante a rodagem, eu pensei “Lá vou apanhar 1200 kms de seca!”, até descobrir que em 6ª às 6 mil rotações vamos a 180 km/h!) Mas agora isso ficou ainda mais claro. Foi muito estranho andar ao lado dos carros ou ficar atrás deles. Vê-los aproximarem-se por trás, em vez de pela frente, dava-me cá um formigueiro na mão direita!... e a par disso reparei que tudo se passava a velocidades bem razoáveis: 80, 100, 120, 140 km/h. Mais do que razoáveis, estão no limite do legal. E, no entanto, tinha a sensação de ir a pastar uma tartaruga.

Lembrei-me das viagens para o Algarve pela A2. Um tipo farta-se rapidamente das rectas. Porque depressa o cérebro se habitua à velocidade. A primeira vez que andas a 180 parece que vais à velocidade da luz. Na segunda vez tens a mesma sensação, mas à 5ª já parece normal. Então passas a ir a 220 e a história repete-se. Então passas a ir a 250, e depois a 280, e depois vais ao que a mota der. Não é que deixe de ser giro, mas é um facto que a habituação à velocidade acontece.
Gradualmente, o condutor habitua-se a andar cada vez mais rápido. Em recta, em curva, em AE, em estradas sinuosas, entre o trânsito, até nas ruelas ao pé de casa. Não foi nem uma nem duas que me apanhei na rotunda do Marquês a pensar “se calhar vais um bocado deitado!” e, olhando para o conta-kms, ver que ia algures ali pelos 140. A vida na Hayabusalândia é assim mesmo, e só a auto-disciplina é que pode ter mão nisso. Ou isso, ou vender a mota.

Não me venham com merdas do género – Eu sou muito calmo a conduzir –. Deve estar para nascer o gajo(a) que senta o cú numa Hayabusa e nunca na vida excede estupidamente os limites de velocidade, uma e outra vez. A prová-lo está a razão mais apontada por quem abandona a Hayabusalândia – Estava na hora de acalmar um bocado –.
Uma boa velocidade de cruzeiro em estrada aberta é 200. A mota vai segura, o motor não se esforça, e a deslocação de ar contra o condutor aguenta o peso do tronco (para mim que peso 105 kgs). Há muita estabilidade a direito, em curva, a passar buracos, e muita margem para fazer tudo isto muito mais depressa e ainda mantendo a calma. Tudo se passa no reino da tranquilidade.

Mind you! Em todos os momentos que passo na Hayabusalândia faço questão de ter consciência da velocidade a que vou. Seja qual for o trajecto, no fim dele, se me perguntarem, geralmente sei dizer a velocidade que dei em cada sítio por onde passei. Numa mota destas tem de ser assim, não há margem para erros. Um gajo tem de ir consciente do que está a fazer em cada segundo. Se eu não souber dizer é porque os neurónios estão a gripar com excesso de trabalho, nesse caso o melhor é deixar a mota em casa.

Ou seja, um tipo não se habitua à velocidade porque está distraído, ou abstraído da realidade. É um processo consciente. O condutor sentindo-se confortável e confiante a determinada velocidade, sente de seguida segurança para ir um pouco mais rápido. E progressivamente vai aumentando a sua velocidade. O cérebro parece não ter limite para processar cada vez mais depressa as imagens que recebe dos olhos, guardá-las e usá-las como conhecimento adquirido para aumentar a rapidez das reacções do corpo, em situações como pilotar uma máquina a alta velocidade. É apenas um processo de habituação. Curiosamente, apenas a limitação física do corpo aguentar as forças “Gs” é que impõe um limite à pessoa, o que, obviamente, nunca chega a acontecer numa mota. Umas pessoas têm mais capacidade do que outras e se calhar é isso que explica existirem campeões do mundo em desportos motorizados, com diferenças de milésimos de segundo. Ainda mais espantoso é que permite ao piloto ir mais longe na utilização das capacidades do cérebro e entrar no campo da intuição, no sentido em que tem uma visão daquilo que vai fazer ainda antes de acontecer. Um piloto em pista (pode ser de motas, carros, aviões, barcos o que for), gradualmente, torna-se mais rápido quanto maior é o conhecimento que adquire dela. Mais voltas, mais conhecimento. Ele vai armazenando nas ideias imagens da pista. E então vai sendo cada vez mais rápido, até ao ponto de não precisar de fixar o olhar nos pontos de marcação para conduzir. Simplesmente combina o conhecimento adquirido com um olhar rápido e um campo de visão o mais alargado possível, e actua em conformidade, em milésimos de segundo.

A este respeito, os pilotos do Red Bull Air Race devem ser a crème de la crème. Não sei se já viste alguma prova destes maníacos da aviação. Mas aqueles gajos devem ser dementes da cabeça para se porem a fazer aquelas manobras. Eles têm provavelmente as máquinas mais rápidas do mundo no que diz respeito ao binómio velocidade/capacidade de manobra. Os aviões têm ±350cv, andam na casa dos +400 km/h e são concebidos para suportar forças de até 15 Gs. Em prova, nas “curvas” maradas que fazem, eles atingem frequentemente os +9 Gs, mais do que nos caças militares e sem fatos “anti-G”. Eles não têm tempo de ver os obstáculos que são obrigados a contornar e pensar em contorná-los. Têm de fazer as duas coisas em simultâneo, a 400km/h, usando do conhecimento adquirido da pista e, é claro, da experiência. Mas, pondo os ases das pilotagens de parte e salvaguardando a devida proporção das coisas, o mesmo acontece com todos nós que andamos na estrada, ou mesmo em pista, ainda que amadoramente.

Entretanto, lá vou eu pacatamente a cem na minha Busa, aborrecido das ideias, mais um carro passa e eu a viajar nos pensamentos em vez de me concentrar na estrada. Recordo-me das curvas da serra no Algarve. Alarvemente depressa, completamente escondido atrás o ecrã da Busa, para me proteger do vento. Vou atrás do meu cunhado. A Ninja 12 dele, endiabrada, vai deixando traços de borracha no alcatrão, conforme ele inclina a mota para a curva à esquerda. Um calhau salta da roda traseira dele na minha direcção, vejo a trajectória em arco da pedra, sei que me vai acertar no braço e não tenho tempo de me desviar. Ui! Não tiro os olhos da mota dele. – Raios o maluco do gajo vai todo deitado! – e então lembro-me que vou atrás dele à mesma velocidade. O alcatrão não tem buracos nem manchas de óleo. Vou entre as linhas brancas da estrada, na boa trajectória, não há estradas secundárias a entroncar no nosso caminho, nem veículos parados nas bermas, oliveiras à direita, à esquerda ribanceira de calhau, no sentido contrário vem uma carrinha Opel comercial que nos manda faroladas, obviamente assustado com a nossa velocidade, e esta curva já foi; com a delicadeza de uma bailarina e a precisão de um cirurgião o ninjabroder manda a peida para fora da mota, lado direito, e deita-se todo para entrar na contra-curva, mais um traço de borracha no alcatrão, eu faço o mesmo, mas com a delicadeza de um hipopótamo, a 3ª bate no redline, quarta, abro o punho todo, num esgar vejo um borrão vermelho no conta-kms entre nos 220/240 e tudo se passa em câmara lenta.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

A Maravilhosa Vida na Hayabusalândia


Casa - fun fun fun – trabalho – fun fun fun - casa.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Dica #92: Conduz com os pés

Se estás a pensar que nós queremos que tu conduzas a mota com os pés, estás a pensar muito bem. A verdade (pasme-se!) é que os pés controlam tanto a tua mota como as mãos.

Faz um exercício simples. Vais a direito, calminho(a), põe o pé esquerdo mesmo à ponta da peseira e faz força para baixo, e vai acontecer que a mota inclina/curva para a esquerda, e vice-versa para a direita.

Pois! Afinal, aquelas cenas penduradas lá em baixo no teu motociclo maravilha não servem só para descansar as patas. E também não servem só para raspar no alcatrão. Servem para conduzir a mota, literalmente, fazê-la curvar e “levantar-se” da curva.

E a coisa funciona assim: o pé que está do lado de dentro da curva (ex, curva à esquerda, pé esquerdo) deve estar mais à ponta da peseira e fazer pressão para baixo, enquanto que o pé do lado de fora da curva (neste ex será o direito) deve fazer o oposto, que é, estar o mais dentro da peseira possível (mesmo encostado à mota) e não fazer pressão para fora. O mesmo raciocínio aplica-se a curvar para a direita, obviamente.

Isto ajuda-te a ter maior controlo sobre o que a mota está a fazer. Ajuda a dar mais estabilidade à mota em curva e a manter uma trajectória linear, sem “esses”.

Um bom exercício de equilíbrio e controlo da mota é fazeres uns pequenos e muito suaves “esses” usando apenas a pressão dos pés nas peseiras, sem as mãos agarradas aos punhos. Experimenta por tua conta e risco.

Agora imagina, que és muita racing e vais todo deitado numa curva para a esquerda. Tens uma contra-curva para a direita e levas muita velocidade. Precisas de levantar a mota rapidamente e deitá-la para a direita, certo? Nesta altura, afasta o pé direito para a ponta da peseira e faz pressão, ao mesmo tempo que alivias no pé esquerdo. E num passo de mágica zuca mota levanta-se e inclina-se com rapidez para a direita.

Ele há bons condutores!, e eles conduzem com os pés.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Dica #17: Contra a mosquitada venha a almigthy cuspidela!

Esta é nojenta, mas acredita que um dia vai dar jeito. Todos sabemos que visibilidade é fundamental para conduzir em segurança, certo? Então quando estiveres numa bela passeata, a 50 km de terra nenhuma e não vires um boi, porque uma família de mosquitos mais os amigos se esborracharam todos na viseira do teu capacete, pára para limpá-la. Problema: limpar com o quê? Não há água, não há sabonete... A resposta é: com a grandiosa cuspidela. Acredita, a saliva tira toda a gordura e deixa a viseira mais clean que um rabinho de bebé. O procedimento é simples e muito rápido: saliva o suficiente para cuspires 2 ou 3 vezes para a viseira e limpa com um lenço de papel (bolas!, isso é o básico para se ter na mota). 2 minutos e podes seguir viagem em segurança. E isto dá especialmente jeito quando apanhas o fim do dia, género: passaste o dia a acumular murraça na viseira km após km, entretanto chegou o sol posto e está a dar-te mesmo de frente, não vês um boi. É limpinho, vais ver.

PS: pronto agora que já vos dei a volta às entranhas, vou contar qual é a outra solução ainda mais eficaz: toalhetes de bebé. Um toalhete de bebé limpa tudo, para além de merda, óbvio. Limpa os mosquitos, limpa as manchas de óleo nas carenagens tudinho. Não sei se tem algum químico que seja prejudicial aos plásticos, mas para mim se pode ser usado no rabinho do meu puto, pode ser usado na Busa e no capacete. Portanto, se não quiserem optar pela mighty cuspidela comprem um pacote de toalhetes de bebé (eu uso Dodot) e ponham naquele compartimentozito debaixo do assento do pendura.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Shit happens, ou foi burrice?

Abre punho, ABRE PUNHO!, a vozinha manda a mão obedece. Os quatro carburadores suaves que nem seda da XJR fazem a sua magia e saio da curva que nem um míssil. Wooooooooow!! Uns metros de recta, a 2ª bate no redline. O som do 1300cc a cagar rotações põe-me os pelos da nuca todos eriçados. Espeto-lhe a terceira e abro punho sem misericórdia, quarta; travão a fundo, curva à esquerda, desato a metralhar mudanças para baixo. Uf...!, correu bem, entrei suave na curva. Sou um espectáculo! ABRE PUNHO!, a vozinha manda a mão obedece. OOOOPS!, vou direitinho à berma, disparado que nem uma bala, a mota abre a trajectória demasiado cedo! Ai Ai Ai!, os olhos ficam fixos no último pedacinho de alcatrão. Ao lado, berma mais que muito estreita de terra, seguida de ribanceira... se a mota sai do alcatrão estou fodido, com todas as letras.

Azar? Burrice? Há diferença? Nunca pensaste no assunto?
Eu acho que há uma diferença grande, e acredito que perceber essa diferença pode ajudar a evitar asneiradas, como essa aí atrás. Por outras palavras, há acidentes que nós podemos impedir que aconteçam.

Shit happens é o caso do gajo da CB 750 que ia à noite para casa. Estava uma chuva parva, aquela chuva miúda que deixa as ruas mais escorregadias que vaselina na menina da menina. O tipo ia nas calmas, cai o vermelho, ele abranda e trava com calma até parar. Mas a rua era a descer, e ele teve o azar de pôr o pé esquerdo em cima de uma tampa de esgoto. O pé não escorregou, o pé saltou, toda a perna saltou que nem uma bailarina e, tendo perdido o apoio, a mota tombou sobre a esquerda mais rápido do que tu consegues dizer “ai!”. Nada a fazer.

Já uma burrice fez o gajo que comprou uma Ninja ZX10R e foi para a serra fazer curvas. A meio de uma curva que normalmente se faz a 60 km/h, ele devia ir no mínimo a uns 100, e todo deitado quase a raspar com o joelho no chão. Até aí tudo bem porque a mota faz isso na boa, mas então ele teve uma ideia infeliz “E se abrir o punho todo agora? Deve dar uma ganda sensação!”, e vai de abrir o punho todo na Ninja em 2ª. Asneira.

A mota tem +180cv, em 2ª com as rotações lá em cima, acelerar que nem um alarve fez a traseira perder tracção, patinar e fugir em slide numa reacção violenta. A frente começou a fugir também, mas ele não caiu logo. Quando a traseira foge em andamento, a tendência é o chassis corrigir a posição da mota, para ficar direita, com as duas rodas alinhadas. Mas por causa do excesso de potencia transmitido à roda traseira, a mota deu uma chicotada para o lado oposto, a traseira continua a fugir, agora para o outro lado. A grande sensação que ele experimentou foi ser cuspido da mota.

Apesar de qualquer um dos dois poder acontecer a qualquer condutor, há uma diferença óbvia entre os dois casos. Se no primeiro caso o tipo não pode evitar o acidente, o segundo tipo se fosse mais esclarecido das ideias não teria feito o que fez. Enquanto que há azares que não dá para evitar, as burrices só acontecem se nós as fizermos. É como sexo sem preservativo.

Nop, não estou a dizer que devemos ir para a estrada com um preservativo enfiado na cabeça. É mais ir com um preservativo enfiado nas ideias. Se podemos evitar alguns acidentes é quase uma obrigação fazermos tudo para que eles não aconteçam. Só que nestes exemplos, tal como em tudo na vida, para não fazer errado é preciso antes aprender a fazer certo. E, sabendo que as motas têm performances que ultrapassam em muito o limite do absurdo, isso implica aprender muita coisa.

As escolas de condução, onde tiramos a carta, não ensinam muito mais do que “o punho da direita é que te vai dar as boas sensações”. O que quer dizer que na realidade um tipo aprende a andar de mota é na estrada a fazer kms. Oooops! Mas espera lá!?, então como é que um gajo sabe distinguir as burrices a não fazer? Não sabe, é a resposta, só aprende com a experiência. O que é mau quando a experiência são erros que se pagam caro. Se há coisas que são uma questão de bom senso, há outras nunca vamos aprender sem que “alguém” nos ensine. O acidente do gajo da 10 é uma mistura de descuido e desconhecimento. Provavelmente, ele fez aquilo centenas de vezes na 600cc que teve antes e a coisa correu bem, só que o resultado porque a mota era muito diferente do que ele estava habituado. Foi incauto.

Portanto, cabe a nós mesmos investir tempo e dedicação a aprender. Quanto mais kms fizeres melhor. Desenvolve-se a condução, ganha-se confiança e fica-se a conhecer bem a mota, o que é tão importante como o Cristiano Ronaldo ficar horas a treinar fintas malucas depois de toda a gente ter acabado o treino.

Mas, sendo importante, não basta. Com a orientação de alguém que tem muito conhecimento de motas e experiência podes aprender mais e melhor. Por exemplo, fazer muitos kms na estrada atrás de condutores mais experientes. Ir com atenção à maneira como conduzem, pedir-lhes dicas, fazer perguntas.
Fazer cursos de condução avançada, com professores e programas competentes. Fazer track days, não com o objectivo de conseguir curvar tão inclinado que até as carenagens raspam no alcatrão, mas sim com o objectivo de aprender a conduzir com segurança e fluidez em todas as situações, e com a garantia que o estás a fazer com um mínimo de segurança e controlo.

Se eu hoje consigo orientar-me com o mínimo de decência em cima duma mota é graças ao meu cunhado. Tive sorte. Ele é um gajo com uns 20 anos de experiência de motas, e teve a paciência de ir comigo para a serra. Fazia-me sinais a mostrar onde e como travar para fazer uma curva, como colocar o corpo, quantas mudanças devia baixar e a melhor trajectória. Depois ele ia atrás de mim e dizia-me o que ele achava que eu fazia bem e o que fazia mal. Papei muitas horas de mota atrás dele a vê-lo a dominar a demoníaca Ninja 12. Quando conseguia ir atrás dele!

Pelas mesmas razões, ver o Motogp além de divertido é educativo. Ninguém no mundo sabe pilotar melhor uma mota do que os deuses dos mundiais de motociclismo, sejam do asfalto ou do fora de estrada. Pode-se observar a linguagem corporal deles, a posição do tronco, a forma como agarram os punhos, como põem os pés, as trajectórias que fazem, onde e como travam, e o comportamento das motas em situações limite. Pensar sobre o que se viu, em vez de ir para estrada tentar fazer parecido.

Infelizmente, aqui na tugalândia fazer um track day custa horrores de dinheiro, há falta de pistas, e de gente competente a ensinar. Quanto a cursos há o Action Team, e a escola do Miguel Praia que eu não faço ideia se são bons ou não, mas que me deixam muito feliz por existirem, pelo menos já é alguma coisa que temos a hipótese de fazer. Fora isso temos ali ao lado as pistas espanholas.


Em Inglaterra, por exemplo, existem dezenas de cursos avançados. E os motards ingleses tenham o nível de experiência que tiverem papam esses cursos que nem tremoços com cervejas. Até jornalistas como o pessoal da Superbike Magazine, por exemplo, que são condutores desde o médio, tão hábil como eu e tu, até ao jornalista-piloto-de-testes que raspa o cotovelo no alcatrão em todas as curvas que faz. Todos frequentam cursos ou workshops de condução avançada, e fazem com tanta frequência quanto possível track days. Eles fazem isto para se tornarem melhores condutores e de caminho divertem-se.

Se calhar, se as motas não dessem 300 km/h com tanta facilidade, esta questão nem se punha. Mas hoje até uma scooter consegue fazer curvar numa rotunda a 80! As motas andam muito, dão grandes sensações a quem as conduz, dão vontade de puxar por elas. E isso é razão mais do que suficiente para cada condutor perceber que tem de aprender umas coisitas antes de ir curtir. E o que é mais importante é que este raciocínio aplica-se qualquer que seja o teu nível de condução.

Eu tenho dias em que me sinto o campeão do asfalto. Mas eu achar que sou muito bom condutor é tão relevante como o Sócrates achar que é bom primeiro-ministro. Não leva a lado nenhum, com a diferença que eu pago caro os erros que fizer na mota. E por isso tento adoptar uma certa dose de humildade, pensar que tenho sempre muito a aprender, seja qual for o meu nível de condução. Quer estejas no nível “Pneu quadrado” ainda com pouca confiança para curvar, ou no nível “limpa-a-goma-toda-e-deixa-a-borracha-esfarelada”, algures no intermédio ou muito mais à frente, há sempre uma margem de aprendizagem, e há sempre alguém que é melhor condutor que tu a não ser que te chames Valentino Rossi.

Portanto, perceber a diferença entre “shit happens” e “foi burrice” distingue o motard sapiens sapiens do motard acéfalus. Eles existem dos dois. Pertencer a uma ou outra categoria não determina em absoluto a ocorrência ou não de acidentes, mas se calhar ajudar a aumentar as probabilidades da coisa correr bem na estrada.

De volta à minha burrice. Lá vou eu na XJR disparado para a ribanceira. Consigo ver a cena em câmara lenta, e a quantidade absurda de cagadas que fiz num intervalo de tempo tão curto. Ia a olhar a frente do nariz da mota, em vez de ir a olhar para o ponto da estrada mais afastado que conseguia ver. Se o tivesse feito teria visto antecipadamente que no final a curva fechava mais, mas como não vi, não ajustei nem a trajectória nem a velocidade de acordo.
Segundo, podia ter deitado mais a mota, para fechar a minha trajectória, em vez de manter a inclinação que levava, que eu achava que já era muita. Na verdade, regra geral, é possível deitar a mota sempre um pouco mais, mesmo quando te vais a borrar pelas pernas abaixo porque achas que já vais muito deitado.

A XJR devia ter uns 10 mil kms, era a minha primeira mota portanto eu próprio tinha 10 mil kms. Acima de tudo o que aconteceu foi que o meu cérebro vendo a possibilidade do acidente não soube reagir, por falta conhecimento e de experiência. A mota abriu a trajectória até ao último milímetro de alcatrão. E então aconteceu que não saí da estrada. O acidente não se deu, não sei como. Provavelmente porque o meu anjo da guarda ia à pendura e deu uma mãozinha.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Dica #21: Andar aos “esses”

Os motards são todos malucos e anormais já parece mais um mito urbano. Pela minha parte tenciono fazer o que estiver ao meu alcance para desmistificar a coisa. Por exemplo, que raio é aquilo de um motard andar aos “esses”?

Não, não se trata de maluquice, como eu já ouvi muita gente comentar.

Fazer “esses” serve para aquecer toda a superfície do pneu da mota.

Mas um espectador que não saiba disto tem logo a deixa clássica de achar que o tipo da mota é uma besta. Eu próprio antes de andar de mota não fazia puto de ideia do assunto, e conheço muitos motards que não sabem o porquê de fazer os “esses” nem a sua importância. É natural, a mim se não me tivessem explicado provavelmente nunca chegaria a essa conclusão.

Andar aos “esses” com a mota – incliná-la de um lado para o outro sucessivamente – é algo que é preciso fazer, por vezes, numa mota para pôr toda a superfície do pneu na temperatura ideal de funcionamento, para o pneu agarrar bem o alcatrão.

“Ah, mas isso é um disparate?!!!” dirá o espectador descrente. Não, não é.

Os pneus das motas de estrada têm um formato redondo, mais em “U” ou mais em “V” dependendo se é mais um pneu de turismo ou um pneu mais desportivo. E isso significa que apenas uma parte do pneu está em contacto com o alcatrão, quer a mota vá a direito, quer vá inclinada. Com a mota a direito, no pneu de trás essa parte equivale apenas a ± 6 cm (no centro), dependendo se é mais redondo ou mais em “V” (à frente é ainda menos).

Ora bem, um motard sai de casa, faz uns kms a direito com uma ou duas curvitas suaves, e o que acontece é que só o centro do pneu atingiu a temperatura ideal de funcionamento. Mas as partes laterais ainda não teve contacto com o alcatrão. Entretanto ele apanha uma curva e deita a mota, só que a parte lateral do pneu ainda não aqueceu o suficiente, e pode muito bem acontecer o pneu escorregar. O tipo(a) apanha um susto. O pneu ainda não tem toda a aderência que devia ter, porque não está na temperatura ideal de funcionamento.

Quanto mais desportivo for o pneu maior é a necessidade de aquecê-lo bem. Porque os pneus mais desportivos são feitos para funcionar a temperaturas mais elevadas, logo levam mais tempo a aquecer (assim como, também arrefecem mais depressa), o que quer dizer que exigem um cuidado maior do condutor para os manter “quentes”.

Por isso, se tu és um automobilista e vires um motard a fazer uns “esses” à tua frente diz para ti em tom de admiração: “Ali vai um tipo consciencioso!”