quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Rrruuummmmm



O pequeno ponto no horizonte que é a saída da A5 para o Estoril aproxima-se do meu nariz à velocidade de 75 metros por segundo. A cinquenta metros da entrada da curva desato a metralhar mudanças para baixo, até encaixar a terceira. Com a delicadeza de uma bailarina de trezentos quilos instalo-me na minha trajectória de curva, atrás do pastel do enlatado que segue a menos duzentos km/h que eu. Há falta de espaço para o passar no meio da curva forço ainda mais as rotações. Mais do que só travões, é o motor da Hayabusa o responsável pela desaceleração brutal. Os olhos quase que me saltam das órbitas, enquanto os ouvidos estalam com o grunhido metálico das rotações altas. Para minha surpresa, o meu cunhado passa-me pela esquerda. E bem por cima do som da Busa, o ar enche-se do ronco grave mas cristalino da R1, tão limpo e certinho que até parece que dá para contar a rotação dos cilindros uma a uma. “Mas que porra!?, como é que raio é que o gajo se meteu entre o carro e o rail, a meio da curva e ainda o passou como se tivesse três faixas só para ele!?”. Com a Ninja 12, ou a Busa teria sido loucura a mais fazer aquilo. Com a R1 parecia canja.

Dois minutos depois, parados em frente ao Joaquim Oliveira (representante oficial da Yamaha em S. João do Estoril), tirávamos os capacetes e até os transeuntes que passavam distraídos no lado oposto da rua devem ter visto o sorriso rasgado que ele trazia.

- Mano, é esta mesmo!

O testdrive à Yamaha R1, “Rum” como já lhe chamávamos, tinha chegado ao fim e tanto ele como eu estávamos rendidos aos encantos da little devil. Ele fechou negócio logo ali, tal era o tamanho da nova paixão. Foi com grande pesar e muita certeza que nos despedimos da Ninja 12 maravilha. E quase que até eu me desfazia da Busa também, não tivesse a minha pelintrice falado mais alto.

Porém, chegar aqui foi um parto difícil.
Pelos vistos, e ao contrário do que seria de supor, não basta ter vontade e dinheiro para comprares a mota dos teus sonhos. Se não vejamos, muito antes da Rum, ele começou por querer trocar a Ninja 12 por uma BMW K1200S, abortou; a seguir por uma GSXR 1000R preta, abortou, depois por uma preto e laranja, depois por uma azul e branco; e ao fim de 9 meses ainda nem um sinal de mota nova. De cada vez que decidia comprar uma, por alguma razão, a coisa acabava em nada.
Escolher a BMW K1200S fazia sentido porque ele queria manter o mesmo nível de performance mas ganhar em conforto. Ele já tinha feito um testdrive uns meses antes, e achou logo que era um estrondo de mota. Uma Bm com um certo espírito de ninja. Capaz de fazer tremer as hiperdesportivas japonesas, com o seu quatro cilindros em linha de167cv e, por na altura ser a campeã em várias outras áreas (como em conforto e soluções inovadoras super eficazes) até se mostrou capaz de as mandar ao tapete.
Apesar de não superar nem a ZZR 1400 nem a Busa em performance, está ao nível.
Em (quase) tudo o resto ganha vantagem. Tem a espantosa capacidade de passar lombas como quem passa por cima de montinhos de algodão. Um dos grandes responsáveis por isto é o trem da frente, que usa o inovador sistema Duolever. “Dói a quem?”. Dizes tu, como disse eu. Não fazia puto ideia de raio era aquilo. Agora continuo sem saber, mas já percebi que é uma cena que funciona muito bem. Tem uma configuração diferente da tradicional forquilha e é uma evolução do Telelever. A grande vantagem é conseguir evitar o afundamento excessivo em travagem, típico da forquilha (o afundamento tem uma influência chata no comportamento da mota, que piora em piso irregular), mas mantém apenas o suficiente para transmitir ao condutor informação necessária sobre o que se está a passar lá em baixo com a roda da frente, e isso foi uma melhoria muito bem vinda. O pessoal agradece, porque nos deixa abusar mais da frente, e de forma mais agressiva.
Assim, temos uma BM boa, gira, com personalidade e racing. Custa os olhos da cara e as pestanas também. E se a mandares vir com todos os opcionais (uma tentação dos diabos) então vai custar-te também o cuzinho.
Havia ainda uma outra razão, um pouco mais obscura, para ele querer a Bm. Um devaneio cerebral que ele teve. Na altura queria uma mota mais calminha do que a 12 (é preciso pôr as coisas em perspectiva, não se trata de chamar à Beemer uma mota dócil, trata-se de que não deve haver nada mais endiabrado que a Kawa). “Ok! Embrulhe uma preta para levar, sff”.
Certo, certo. Passadas três semanas, telefonema do vendedor:

- Temos aqui a sua mota... cinzenta! – com entusiasmo forçado.
- Desculpe?!, era uma preta!... – respondeu o ninjabroder, passado dos carretos.
- Ah, e tal... pretas não há... mas temos aqui esta cinzenta/amarelinha, pronta a sair... espectacular, a cor da moda... o preto nem por isso... e blá blá blá...
- Deixe-me pensar bem sobre o assunto, NÃO!”.

Posto isto, o raciocínio dele foi lógico “Isto é um sinal claro de que não estou destinado a ter uma mota mais calma... muito bem, venha uma GSXR 1000R”. Já que não conseguiu comprar uma mota mais civilizada, virou-se para o rei dos hooligans. Começou a nossa romaria aos stands da Suzuki. Ele, lá pelos conhecidos dele no Algarve e eu, como bom mano empenhado em ajudá-lo a ter uma K7 novinha que eu pudesse experimentar, fui visitar os meus amigos da Suzuki em Lisboa. Mas ele não teve dificuldade em fechar um negócio. No representante oficial em Loulé deram-lhe logo 8 mil pela 12 e mais promessas rasgadas de que a K7 lá estaria dali a uma semana, em preto. Lindo! Até já lhe sentíamos o cheiro. Há a ideia generalizada de que a K7 é a melhor representante de uma longa linhagem de vencedoras do título de melhor superbike do mundo. Em pista e na estrada deu provas disso. Nos últimos 3 anos ganhou vários campeonatos mundiais e domésticos (entre eles o mundial de superbikes). E nas revistas da especialidade conquistou repetidas vezes testes e críticas. Eu nunca andei numa. Aliás, nunca tinha andado numa “mil”, e o ex-ninjabroder também não. Os testemunhos de quem andou são suficientes para eriçar os pêlos da nuca. Em terceira, a 150 km/h, se lhe dás gás a fundo ela saca cavalo só de acelerador. Curva até roçar o cotovelo no alcatrão com a certeza de quem vai agarrado a um carril. Hooliganismo é à fartazana, tipo cavalos e éguas, entre outros. O motor é gajo para nos arrancar os bracitos pois, surpreendentemente para uma mil, desenhada para cagar rotações, vem carregada de binário. E eu até já ouvi um experiente piloto dizer que prefere mais andar na Busa do que na GSXR, porque a Busa o faz andar mais calmo (!?). A mim que vivo na Hayabusalândia fez-me uma certa confusão ele dizer isso. Mas depois de andar na Rum, até consegui começar a imaginar o porquê de ele dizer aquilo. Segundo dizem algumas línguas, a GSXR 1000 R é o mundo perfeito. Alia um chassis capaz de fazer o mesmo que a sua irmã mais pequena de 750cc (eleita pelos ingleses como o melhor de todos os mundos), mas com o motor mais potente e mais cheio. É estupidamente leve e o chassis, na sua essência, é o mesmo que ganha campeonatos do mundo. É gira. Não é uma Ducati 998, mas é gira. Passei a gostar da preto/laranja depois de ter visto ao vivo. As linhas são de beleza morna, não me provocam uma ferida no coração só de olhar. Mas olhando para ela o que me põe maluco são as promessas escondidas pelo chassis e o punho direito. O ninjabroder queria em preto. Estava feito.

Uma semana... duas semanas... três semanas a voar, la la la e gixxer que é bom, nada! Um mês... dois meses... três meses a voar e a gixxer nem vê-la. E atenção que estamos a falar dos meses de Verão. Tipicamente, as vendas das motas aumentam. O sol abre o apetite ao pessoal. Os devoradores de alcatrão aparecem que nem baratas num quarto escuro e muitos decidem nesta altura trocar de mota. Seria de esperar que os vendedores se esmerdassem para servir motas novas numa bandeja de prata a quem passa. Neste caso em particular, não. Ou os stands da Suzuki se uniram todos numa conspiração macabra para impedir que o ninjabroder satisfizesse a sua fome de K7, ou houve de facto falta de motas a chegar a Portugal. Ou um bocado dos dois, que nestas coisas a verdade fica sempre no meio. Por outro lado, o representante da Suzi Loulé deve-se ter arrependido de dar 8 mil Euros pela Ninja 12. O que constitui primeiro um erro dele, do qual se arrependeu depois de ter aberto a boca. E depois é um velho problema da Kawasaki, cujo valor percepcionado em usados é anormalmente baixo. Quanto ao vendedor, ele quis fazer o negócio, por isso terá aceite o valor, imaginando que lhe parecia razoável, para garantir que a coisa ia para a frente e só depois terá procurado informar-se se conseguiria desfazer-se dela rapidamente e com lucro. Até aqui tudo normal. Depois deve ter concluído que não conseguia despachá-la de um dia para o outro, talvez nem mesmo de um ano para o outro. Eu não sei de onde apareceu essa fama. Acho esta 12 uma excelente compra, para uma usada. Uma forma barata de ter nas mãos uma das motas com mais performance do mundo. A dele até está em boas condições e ser Kawasaki não me mete medo. É uma máquina de alta performance que precisa da manutenção certa, nas alturas certas, por quem a sabe fazer e ponto. Está certo que eu conheço bem aquela mota em particular. Mas isso é um problema da categoria “usados” e não da marca “Kawasaki”. Como me disse o meu amigo da Suzuki, é uma ideia feita e não se desfaz do dia para a noite.
Entretanto, o gajo da Suzuki desfazia-se em desculpas adiando cada vez mais o negócio. E quanto ao pessoal de Lisboa torciam o nariz sempre que eu aparecia com ideias deles fazerem negócio com o meu cunhado. Cada vez que mencionava “Ninja 12” os rapazes faziam-me uns olhos de misericórdia que mais pareciam dizer “deixa lá, prefiro não vender nada”. Passou-se o Verão e o desgraçado do ninjabroder sem andar de mota, porque estando na eminência de a trocar não lhe queria pôr kms, nem gastar-lhe os pneus, nem correr o risco de sofrer um acidente.

Um dia ele falou da R1. Que era louca. Eu sugeri que déssemos um saltinho à Yamaha do Oliveira, simplesmente porque fica mesmo ao lado da minha casa. Entrámos no stand para ver a R1, sem expectativas. Encontrámos um tipo apaixonado por aquilo que tem para oferecer. Para mim isso é meio caminho andado para me venderem seja o que for. Ele falou-nos da nova R1 de 2007, de como estava muito melhor. Disse que nos espantaria o facto de ser tão fácil de conduzir. Só a frase em si já me causava estranheza. Lembrei-me de estar sentado na R1, modelo de 2005, aquilo parecia tudo menos fácil de conduzir. Os joelhos a tocar nas orelhas, dores nos pulsos e costas só de pensar em conduzir naquela posição. E, açulada por um motor super pontudo, parecia vir com atitude de adolescente nervoso, toda ela sangue na guelra. Mas esta, segundo dizia ele, não. Segundo ele, este novo modelo vem com uns tiques e toques que a tornaram mais amiga do condutor, no conforto e na facilidade de utilização. Mas sem perder o carácter diabólico de um mil desenhada para ser campeã do mundo. Ele propôs um testdrive para a semana seguinte.

O resultado final já tu sabes, foi assim que esta começou história. Quanto às emoções e impressões do teste (e que teste que foi!), tal como nós aguentámos uma semana, também tu podes conhecer daqui a uns dias.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Vivendo e aprendendo a viver rápido

A cena engraçada dos clichés é serem irritantemente verdadeiros. Hoje ia a caminho do trabalho e um pensamento banal buzinava-me na cabeça: o cérebro humano é uma coisa espantosa. Não era por acaso que o cliché não me largava as ideias. Eu estava espantado com a capacidade de adaptação do cérebro à velocidade. O mais curioso deve-se ao facto de isto se ter passado indo eu tão devagar. Não, juro, fora de brincadeiras, ia mesmo devagar. E digo-vos, isso não é coisa fácil na Hayabusalândia.

Há uma razão para a minha pacata velocidade e não foi ter apanhado um cagaço monumental. É a desgraçada da transmissão. Começou a avisar-me que está prestes a render a alma ao criador. Para quem não sabe (eu não sabia) a transmissão secundária é composta por 3 peças: pinhão de ataque, cremalheira e corrente. Em última análise é o que faz a mota andar porque, simplisticamente, é o que liga o motor à roda. Com o tempo (± 20 mil kms nas minhas mãos), na Hayabusa estas três pecitas começaram a sofrer duma enfermidade a que se atribui o adjectivo “ovalizada”. O pinhão de ataque e a cremalheira – rodas dentadas tipo as das bicicletas – ficam com os dentes curvos, deformados pelo calor e forças a que são sujeitos, enquanto que a corrente fica – falha-me uma descrição mais técnica – completamente fodida. A corrente começa a bater porque parece que está larga. Na verdade os elos estão deformados. Numas partes está esticada, e noutras completamente larga, tornando impossível a afinação. Também significa que os O’rings estão fracos, pelo que a resistência e flexibilidade da corrente estão seriamente comprometidas. Na prática, ela começa a dizer-te que está mal de saúde, soltando “ais” e “uis” ao bater em todo lado. Isso só quer dizer uma coisa – Troca-me.

A enfermidade da Busa obrigou-me a andar meeeeeeeeeeesmo devagarito, com arranques muuuuito lentos, e sem passar dos 90/100 km/h. Quase que já adormeci!, perdoem-me a heresia Ó passarada da Hayabusalândia!, mas andar na Busa assim é uma seca, sobretudo porque um tipo sabe do que ela é capaz.
Isto obrigou-me a reprogramar o cérebro. Por exemplo, se vou a serpentear entre filas tenho de me lembrar que não posso acelerar dos 40 aos 120 em dois segundos para me safar do trânsito. Passar mais devagar entre dois carros significa que facilmente posso ficar entalado. O melhor é ficar atrás. As ultrapassagens são mais lentas, o que dá mais azo a levar com um enlatado distraído, de telemóvel na mão, porque de repente se lembrou que precisa mesmo de ir para a faixa da esquerda, ainda que não haja carros à frente dele. Fico atrás, não posso acelerar à bruta, não vá a corrente partir-se. A sensação #1 na Hayabusalândia – abrir o punho alarvemente à saída das curvas, com a traseira a dar-lhe no slide – teve de ser castrada à naifada. Aqueles impulsos de “ia a 120 mas a mosca mordeu-me e agora vou a 240” também tiveram de levar tratamento idêntico e com recurso ao colete de forças. E assim lá fui anestesiando as ideias para poupar a transmissão enquanto não é trocada.

Andava nestes preparos, sem nada de interessante para fazer em cima da besta, quando comecei a perceber como, ao longo destes 3 anos e meio de Hayabusalândia, a minha percepção de velocidade tinha sido alterada. Essa noção começa a ser adquirida assim que um gajo põe a mão pela primeira vez na Hayabusalândia, isto é, pôr-lhe a mão no acelerador. (Quando o vendedor da Suzuki me disse para não passar das 6 mil rotações durante a rodagem, eu pensei “Lá vou apanhar 1200 kms de seca!”, até descobrir que em 6ª às 6 mil rotações vamos a 180 km/h!) Mas agora isso ficou ainda mais claro. Foi muito estranho andar ao lado dos carros ou ficar atrás deles. Vê-los aproximarem-se por trás, em vez de pela frente, dava-me cá um formigueiro na mão direita!... e a par disso reparei que tudo se passava a velocidades bem razoáveis: 80, 100, 120, 140 km/h. Mais do que razoáveis, estão no limite do legal. E, no entanto, tinha a sensação de ir a pastar uma tartaruga.

Lembrei-me das viagens para o Algarve pela A2. Um tipo farta-se rapidamente das rectas. Porque depressa o cérebro se habitua à velocidade. A primeira vez que andas a 180 parece que vais à velocidade da luz. Na segunda vez tens a mesma sensação, mas à 5ª já parece normal. Então passas a ir a 220 e a história repete-se. Então passas a ir a 250, e depois a 280, e depois vais ao que a mota der. Não é que deixe de ser giro, mas é um facto que a habituação à velocidade acontece.
Gradualmente, o condutor habitua-se a andar cada vez mais rápido. Em recta, em curva, em AE, em estradas sinuosas, entre o trânsito, até nas ruelas ao pé de casa. Não foi nem uma nem duas que me apanhei na rotunda do Marquês a pensar “se calhar vais um bocado deitado!” e, olhando para o conta-kms, ver que ia algures ali pelos 140. A vida na Hayabusalândia é assim mesmo, e só a auto-disciplina é que pode ter mão nisso. Ou isso, ou vender a mota.

Não me venham com merdas do género – Eu sou muito calmo a conduzir –. Deve estar para nascer o gajo(a) que senta o cú numa Hayabusa e nunca na vida excede estupidamente os limites de velocidade, uma e outra vez. A prová-lo está a razão mais apontada por quem abandona a Hayabusalândia – Estava na hora de acalmar um bocado –.
Uma boa velocidade de cruzeiro em estrada aberta é 200. A mota vai segura, o motor não se esforça, e a deslocação de ar contra o condutor aguenta o peso do tronco (para mim que peso 105 kgs). Há muita estabilidade a direito, em curva, a passar buracos, e muita margem para fazer tudo isto muito mais depressa e ainda mantendo a calma. Tudo se passa no reino da tranquilidade.

Mind you! Em todos os momentos que passo na Hayabusalândia faço questão de ter consciência da velocidade a que vou. Seja qual for o trajecto, no fim dele, se me perguntarem, geralmente sei dizer a velocidade que dei em cada sítio por onde passei. Numa mota destas tem de ser assim, não há margem para erros. Um gajo tem de ir consciente do que está a fazer em cada segundo. Se eu não souber dizer é porque os neurónios estão a gripar com excesso de trabalho, nesse caso o melhor é deixar a mota em casa.

Ou seja, um tipo não se habitua à velocidade porque está distraído, ou abstraído da realidade. É um processo consciente. O condutor sentindo-se confortável e confiante a determinada velocidade, sente de seguida segurança para ir um pouco mais rápido. E progressivamente vai aumentando a sua velocidade. O cérebro parece não ter limite para processar cada vez mais depressa as imagens que recebe dos olhos, guardá-las e usá-las como conhecimento adquirido para aumentar a rapidez das reacções do corpo, em situações como pilotar uma máquina a alta velocidade. É apenas um processo de habituação. Curiosamente, apenas a limitação física do corpo aguentar as forças “Gs” é que impõe um limite à pessoa, o que, obviamente, nunca chega a acontecer numa mota. Umas pessoas têm mais capacidade do que outras e se calhar é isso que explica existirem campeões do mundo em desportos motorizados, com diferenças de milésimos de segundo. Ainda mais espantoso é que permite ao piloto ir mais longe na utilização das capacidades do cérebro e entrar no campo da intuição, no sentido em que tem uma visão daquilo que vai fazer ainda antes de acontecer. Um piloto em pista (pode ser de motas, carros, aviões, barcos o que for), gradualmente, torna-se mais rápido quanto maior é o conhecimento que adquire dela. Mais voltas, mais conhecimento. Ele vai armazenando nas ideias imagens da pista. E então vai sendo cada vez mais rápido, até ao ponto de não precisar de fixar o olhar nos pontos de marcação para conduzir. Simplesmente combina o conhecimento adquirido com um olhar rápido e um campo de visão o mais alargado possível, e actua em conformidade, em milésimos de segundo.

A este respeito, os pilotos do Red Bull Air Race devem ser a crème de la crème. Não sei se já viste alguma prova destes maníacos da aviação. Mas aqueles gajos devem ser dementes da cabeça para se porem a fazer aquelas manobras. Eles têm provavelmente as máquinas mais rápidas do mundo no que diz respeito ao binómio velocidade/capacidade de manobra. Os aviões têm ±350cv, andam na casa dos +400 km/h e são concebidos para suportar forças de até 15 Gs. Em prova, nas “curvas” maradas que fazem, eles atingem frequentemente os +9 Gs, mais do que nos caças militares e sem fatos “anti-G”. Eles não têm tempo de ver os obstáculos que são obrigados a contornar e pensar em contorná-los. Têm de fazer as duas coisas em simultâneo, a 400km/h, usando do conhecimento adquirido da pista e, é claro, da experiência. Mas, pondo os ases das pilotagens de parte e salvaguardando a devida proporção das coisas, o mesmo acontece com todos nós que andamos na estrada, ou mesmo em pista, ainda que amadoramente.

Entretanto, lá vou eu pacatamente a cem na minha Busa, aborrecido das ideias, mais um carro passa e eu a viajar nos pensamentos em vez de me concentrar na estrada. Recordo-me das curvas da serra no Algarve. Alarvemente depressa, completamente escondido atrás o ecrã da Busa, para me proteger do vento. Vou atrás do meu cunhado. A Ninja 12 dele, endiabrada, vai deixando traços de borracha no alcatrão, conforme ele inclina a mota para a curva à esquerda. Um calhau salta da roda traseira dele na minha direcção, vejo a trajectória em arco da pedra, sei que me vai acertar no braço e não tenho tempo de me desviar. Ui! Não tiro os olhos da mota dele. – Raios o maluco do gajo vai todo deitado! – e então lembro-me que vou atrás dele à mesma velocidade. O alcatrão não tem buracos nem manchas de óleo. Vou entre as linhas brancas da estrada, na boa trajectória, não há estradas secundárias a entroncar no nosso caminho, nem veículos parados nas bermas, oliveiras à direita, à esquerda ribanceira de calhau, no sentido contrário vem uma carrinha Opel comercial que nos manda faroladas, obviamente assustado com a nossa velocidade, e esta curva já foi; com a delicadeza de uma bailarina e a precisão de um cirurgião o ninjabroder manda a peida para fora da mota, lado direito, e deita-se todo para entrar na contra-curva, mais um traço de borracha no alcatrão, eu faço o mesmo, mas com a delicadeza de um hipopótamo, a 3ª bate no redline, quarta, abro o punho todo, num esgar vejo um borrão vermelho no conta-kms entre nos 220/240 e tudo se passa em câmara lenta.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

A Maravilhosa Vida na Hayabusalândia


Casa - fun fun fun – trabalho – fun fun fun - casa.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Dica #92: Conduz com os pés

Se estás a pensar que nós queremos que tu conduzas a mota com os pés, estás a pensar muito bem. A verdade (pasme-se!) é que os pés controlam tanto a tua mota como as mãos.

Faz um exercício simples. Vais a direito, calminho(a), põe o pé esquerdo mesmo à ponta da peseira e faz força para baixo, e vai acontecer que a mota inclina/curva para a esquerda, e vice-versa para a direita.

Pois! Afinal, aquelas cenas penduradas lá em baixo no teu motociclo maravilha não servem só para descansar as patas. E também não servem só para raspar no alcatrão. Servem para conduzir a mota, literalmente, fazê-la curvar e “levantar-se” da curva.

E a coisa funciona assim: o pé que está do lado de dentro da curva (ex, curva à esquerda, pé esquerdo) deve estar mais à ponta da peseira e fazer pressão para baixo, enquanto que o pé do lado de fora da curva (neste ex será o direito) deve fazer o oposto, que é, estar o mais dentro da peseira possível (mesmo encostado à mota) e não fazer pressão para fora. O mesmo raciocínio aplica-se a curvar para a direita, obviamente.

Isto ajuda-te a ter maior controlo sobre o que a mota está a fazer. Ajuda a dar mais estabilidade à mota em curva e a manter uma trajectória linear, sem “esses”.

Um bom exercício de equilíbrio e controlo da mota é fazeres uns pequenos e muito suaves “esses” usando apenas a pressão dos pés nas peseiras, sem as mãos agarradas aos punhos. Experimenta por tua conta e risco.

Agora imagina, que és muita racing e vais todo deitado numa curva para a esquerda. Tens uma contra-curva para a direita e levas muita velocidade. Precisas de levantar a mota rapidamente e deitá-la para a direita, certo? Nesta altura, afasta o pé direito para a ponta da peseira e faz pressão, ao mesmo tempo que alivias no pé esquerdo. E num passo de mágica zuca mota levanta-se e inclina-se com rapidez para a direita.

Ele há bons condutores!, e eles conduzem com os pés.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Dica #17: Contra a mosquitada venha a almigthy cuspidela!

Esta é nojenta, mas acredita que um dia vai dar jeito. Todos sabemos que visibilidade é fundamental para conduzir em segurança, certo? Então quando estiveres numa bela passeata, a 50 km de terra nenhuma e não vires um boi, porque uma família de mosquitos mais os amigos se esborracharam todos na viseira do teu capacete, pára para limpá-la. Problema: limpar com o quê? Não há água, não há sabonete... A resposta é: com a grandiosa cuspidela. Acredita, a saliva tira toda a gordura e deixa a viseira mais clean que um rabinho de bebé. O procedimento é simples e muito rápido: saliva o suficiente para cuspires 2 ou 3 vezes para a viseira e limpa com um lenço de papel (bolas!, isso é o básico para se ter na mota). 2 minutos e podes seguir viagem em segurança. E isto dá especialmente jeito quando apanhas o fim do dia, género: passaste o dia a acumular murraça na viseira km após km, entretanto chegou o sol posto e está a dar-te mesmo de frente, não vês um boi. É limpinho, vais ver.

PS: pronto agora que já vos dei a volta às entranhas, vou contar qual é a outra solução ainda mais eficaz: toalhetes de bebé. Um toalhete de bebé limpa tudo, para além de merda, óbvio. Limpa os mosquitos, limpa as manchas de óleo nas carenagens tudinho. Não sei se tem algum químico que seja prejudicial aos plásticos, mas para mim se pode ser usado no rabinho do meu puto, pode ser usado na Busa e no capacete. Portanto, se não quiserem optar pela mighty cuspidela comprem um pacote de toalhetes de bebé (eu uso Dodot) e ponham naquele compartimentozito debaixo do assento do pendura.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Shit happens, ou foi burrice?

Abre punho, ABRE PUNHO!, a vozinha manda a mão obedece. Os quatro carburadores suaves que nem seda da XJR fazem a sua magia e saio da curva que nem um míssil. Wooooooooow!! Uns metros de recta, a 2ª bate no redline. O som do 1300cc a cagar rotações põe-me os pelos da nuca todos eriçados. Espeto-lhe a terceira e abro punho sem misericórdia, quarta; travão a fundo, curva à esquerda, desato a metralhar mudanças para baixo. Uf...!, correu bem, entrei suave na curva. Sou um espectáculo! ABRE PUNHO!, a vozinha manda a mão obedece. OOOOPS!, vou direitinho à berma, disparado que nem uma bala, a mota abre a trajectória demasiado cedo! Ai Ai Ai!, os olhos ficam fixos no último pedacinho de alcatrão. Ao lado, berma mais que muito estreita de terra, seguida de ribanceira... se a mota sai do alcatrão estou fodido, com todas as letras.

Azar? Burrice? Há diferença? Nunca pensaste no assunto?
Eu acho que há uma diferença grande, e acredito que perceber essa diferença pode ajudar a evitar asneiradas, como essa aí atrás. Por outras palavras, há acidentes que nós podemos impedir que aconteçam.

Shit happens é o caso do gajo da CB 750 que ia à noite para casa. Estava uma chuva parva, aquela chuva miúda que deixa as ruas mais escorregadias que vaselina na menina da menina. O tipo ia nas calmas, cai o vermelho, ele abranda e trava com calma até parar. Mas a rua era a descer, e ele teve o azar de pôr o pé esquerdo em cima de uma tampa de esgoto. O pé não escorregou, o pé saltou, toda a perna saltou que nem uma bailarina e, tendo perdido o apoio, a mota tombou sobre a esquerda mais rápido do que tu consegues dizer “ai!”. Nada a fazer.

Já uma burrice fez o gajo que comprou uma Ninja ZX10R e foi para a serra fazer curvas. A meio de uma curva que normalmente se faz a 60 km/h, ele devia ir no mínimo a uns 100, e todo deitado quase a raspar com o joelho no chão. Até aí tudo bem porque a mota faz isso na boa, mas então ele teve uma ideia infeliz “E se abrir o punho todo agora? Deve dar uma ganda sensação!”, e vai de abrir o punho todo na Ninja em 2ª. Asneira.

A mota tem +180cv, em 2ª com as rotações lá em cima, acelerar que nem um alarve fez a traseira perder tracção, patinar e fugir em slide numa reacção violenta. A frente começou a fugir também, mas ele não caiu logo. Quando a traseira foge em andamento, a tendência é o chassis corrigir a posição da mota, para ficar direita, com as duas rodas alinhadas. Mas por causa do excesso de potencia transmitido à roda traseira, a mota deu uma chicotada para o lado oposto, a traseira continua a fugir, agora para o outro lado. A grande sensação que ele experimentou foi ser cuspido da mota.

Apesar de qualquer um dos dois poder acontecer a qualquer condutor, há uma diferença óbvia entre os dois casos. Se no primeiro caso o tipo não pode evitar o acidente, o segundo tipo se fosse mais esclarecido das ideias não teria feito o que fez. Enquanto que há azares que não dá para evitar, as burrices só acontecem se nós as fizermos. É como sexo sem preservativo.

Nop, não estou a dizer que devemos ir para a estrada com um preservativo enfiado na cabeça. É mais ir com um preservativo enfiado nas ideias. Se podemos evitar alguns acidentes é quase uma obrigação fazermos tudo para que eles não aconteçam. Só que nestes exemplos, tal como em tudo na vida, para não fazer errado é preciso antes aprender a fazer certo. E, sabendo que as motas têm performances que ultrapassam em muito o limite do absurdo, isso implica aprender muita coisa.

As escolas de condução, onde tiramos a carta, não ensinam muito mais do que “o punho da direita é que te vai dar as boas sensações”. O que quer dizer que na realidade um tipo aprende a andar de mota é na estrada a fazer kms. Oooops! Mas espera lá!?, então como é que um gajo sabe distinguir as burrices a não fazer? Não sabe, é a resposta, só aprende com a experiência. O que é mau quando a experiência são erros que se pagam caro. Se há coisas que são uma questão de bom senso, há outras nunca vamos aprender sem que “alguém” nos ensine. O acidente do gajo da 10 é uma mistura de descuido e desconhecimento. Provavelmente, ele fez aquilo centenas de vezes na 600cc que teve antes e a coisa correu bem, só que o resultado porque a mota era muito diferente do que ele estava habituado. Foi incauto.

Portanto, cabe a nós mesmos investir tempo e dedicação a aprender. Quanto mais kms fizeres melhor. Desenvolve-se a condução, ganha-se confiança e fica-se a conhecer bem a mota, o que é tão importante como o Cristiano Ronaldo ficar horas a treinar fintas malucas depois de toda a gente ter acabado o treino.

Mas, sendo importante, não basta. Com a orientação de alguém que tem muito conhecimento de motas e experiência podes aprender mais e melhor. Por exemplo, fazer muitos kms na estrada atrás de condutores mais experientes. Ir com atenção à maneira como conduzem, pedir-lhes dicas, fazer perguntas.
Fazer cursos de condução avançada, com professores e programas competentes. Fazer track days, não com o objectivo de conseguir curvar tão inclinado que até as carenagens raspam no alcatrão, mas sim com o objectivo de aprender a conduzir com segurança e fluidez em todas as situações, e com a garantia que o estás a fazer com um mínimo de segurança e controlo.

Se eu hoje consigo orientar-me com o mínimo de decência em cima duma mota é graças ao meu cunhado. Tive sorte. Ele é um gajo com uns 20 anos de experiência de motas, e teve a paciência de ir comigo para a serra. Fazia-me sinais a mostrar onde e como travar para fazer uma curva, como colocar o corpo, quantas mudanças devia baixar e a melhor trajectória. Depois ele ia atrás de mim e dizia-me o que ele achava que eu fazia bem e o que fazia mal. Papei muitas horas de mota atrás dele a vê-lo a dominar a demoníaca Ninja 12. Quando conseguia ir atrás dele!

Pelas mesmas razões, ver o Motogp além de divertido é educativo. Ninguém no mundo sabe pilotar melhor uma mota do que os deuses dos mundiais de motociclismo, sejam do asfalto ou do fora de estrada. Pode-se observar a linguagem corporal deles, a posição do tronco, a forma como agarram os punhos, como põem os pés, as trajectórias que fazem, onde e como travam, e o comportamento das motas em situações limite. Pensar sobre o que se viu, em vez de ir para estrada tentar fazer parecido.

Infelizmente, aqui na tugalândia fazer um track day custa horrores de dinheiro, há falta de pistas, e de gente competente a ensinar. Quanto a cursos há o Action Team, e a escola do Miguel Praia que eu não faço ideia se são bons ou não, mas que me deixam muito feliz por existirem, pelo menos já é alguma coisa que temos a hipótese de fazer. Fora isso temos ali ao lado as pistas espanholas.


Em Inglaterra, por exemplo, existem dezenas de cursos avançados. E os motards ingleses tenham o nível de experiência que tiverem papam esses cursos que nem tremoços com cervejas. Até jornalistas como o pessoal da Superbike Magazine, por exemplo, que são condutores desde o médio, tão hábil como eu e tu, até ao jornalista-piloto-de-testes que raspa o cotovelo no alcatrão em todas as curvas que faz. Todos frequentam cursos ou workshops de condução avançada, e fazem com tanta frequência quanto possível track days. Eles fazem isto para se tornarem melhores condutores e de caminho divertem-se.

Se calhar, se as motas não dessem 300 km/h com tanta facilidade, esta questão nem se punha. Mas hoje até uma scooter consegue fazer curvar numa rotunda a 80! As motas andam muito, dão grandes sensações a quem as conduz, dão vontade de puxar por elas. E isso é razão mais do que suficiente para cada condutor perceber que tem de aprender umas coisitas antes de ir curtir. E o que é mais importante é que este raciocínio aplica-se qualquer que seja o teu nível de condução.

Eu tenho dias em que me sinto o campeão do asfalto. Mas eu achar que sou muito bom condutor é tão relevante como o Sócrates achar que é bom primeiro-ministro. Não leva a lado nenhum, com a diferença que eu pago caro os erros que fizer na mota. E por isso tento adoptar uma certa dose de humildade, pensar que tenho sempre muito a aprender, seja qual for o meu nível de condução. Quer estejas no nível “Pneu quadrado” ainda com pouca confiança para curvar, ou no nível “limpa-a-goma-toda-e-deixa-a-borracha-esfarelada”, algures no intermédio ou muito mais à frente, há sempre uma margem de aprendizagem, e há sempre alguém que é melhor condutor que tu a não ser que te chames Valentino Rossi.

Portanto, perceber a diferença entre “shit happens” e “foi burrice” distingue o motard sapiens sapiens do motard acéfalus. Eles existem dos dois. Pertencer a uma ou outra categoria não determina em absoluto a ocorrência ou não de acidentes, mas se calhar ajudar a aumentar as probabilidades da coisa correr bem na estrada.

De volta à minha burrice. Lá vou eu na XJR disparado para a ribanceira. Consigo ver a cena em câmara lenta, e a quantidade absurda de cagadas que fiz num intervalo de tempo tão curto. Ia a olhar a frente do nariz da mota, em vez de ir a olhar para o ponto da estrada mais afastado que conseguia ver. Se o tivesse feito teria visto antecipadamente que no final a curva fechava mais, mas como não vi, não ajustei nem a trajectória nem a velocidade de acordo.
Segundo, podia ter deitado mais a mota, para fechar a minha trajectória, em vez de manter a inclinação que levava, que eu achava que já era muita. Na verdade, regra geral, é possível deitar a mota sempre um pouco mais, mesmo quando te vais a borrar pelas pernas abaixo porque achas que já vais muito deitado.

A XJR devia ter uns 10 mil kms, era a minha primeira mota portanto eu próprio tinha 10 mil kms. Acima de tudo o que aconteceu foi que o meu cérebro vendo a possibilidade do acidente não soube reagir, por falta conhecimento e de experiência. A mota abriu a trajectória até ao último milímetro de alcatrão. E então aconteceu que não saí da estrada. O acidente não se deu, não sei como. Provavelmente porque o meu anjo da guarda ia à pendura e deu uma mãozinha.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Dica #21: Andar aos “esses”

Os motards são todos malucos e anormais já parece mais um mito urbano. Pela minha parte tenciono fazer o que estiver ao meu alcance para desmistificar a coisa. Por exemplo, que raio é aquilo de um motard andar aos “esses”?

Não, não se trata de maluquice, como eu já ouvi muita gente comentar.

Fazer “esses” serve para aquecer toda a superfície do pneu da mota.

Mas um espectador que não saiba disto tem logo a deixa clássica de achar que o tipo da mota é uma besta. Eu próprio antes de andar de mota não fazia puto de ideia do assunto, e conheço muitos motards que não sabem o porquê de fazer os “esses” nem a sua importância. É natural, a mim se não me tivessem explicado provavelmente nunca chegaria a essa conclusão.

Andar aos “esses” com a mota – incliná-la de um lado para o outro sucessivamente – é algo que é preciso fazer, por vezes, numa mota para pôr toda a superfície do pneu na temperatura ideal de funcionamento, para o pneu agarrar bem o alcatrão.

“Ah, mas isso é um disparate?!!!” dirá o espectador descrente. Não, não é.

Os pneus das motas de estrada têm um formato redondo, mais em “U” ou mais em “V” dependendo se é mais um pneu de turismo ou um pneu mais desportivo. E isso significa que apenas uma parte do pneu está em contacto com o alcatrão, quer a mota vá a direito, quer vá inclinada. Com a mota a direito, no pneu de trás essa parte equivale apenas a ± 6 cm (no centro), dependendo se é mais redondo ou mais em “V” (à frente é ainda menos).

Ora bem, um motard sai de casa, faz uns kms a direito com uma ou duas curvitas suaves, e o que acontece é que só o centro do pneu atingiu a temperatura ideal de funcionamento. Mas as partes laterais ainda não teve contacto com o alcatrão. Entretanto ele apanha uma curva e deita a mota, só que a parte lateral do pneu ainda não aqueceu o suficiente, e pode muito bem acontecer o pneu escorregar. O tipo(a) apanha um susto. O pneu ainda não tem toda a aderência que devia ter, porque não está na temperatura ideal de funcionamento.

Quanto mais desportivo for o pneu maior é a necessidade de aquecê-lo bem. Porque os pneus mais desportivos são feitos para funcionar a temperaturas mais elevadas, logo levam mais tempo a aquecer (assim como, também arrefecem mais depressa), o que quer dizer que exigem um cuidado maior do condutor para os manter “quentes”.

Por isso, se tu és um automobilista e vires um motard a fazer uns “esses” à tua frente diz para ti em tom de admiração: “Ali vai um tipo consciencioso!”

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Dica #9: O Homem-Aranha
















Em cima da mota só há um músculo que deve ir em tensão constante: o cérebro.
Controlar uma mota tem tudo a ver com equilíbrio e fluidez de movimentos. Mas para isso não podes ir em cima da mota tipo boneco de gesso.

Isto pode parecer a maior banalidade do mundo. Mas quantos motards não vemos que parecem ter engolido um garfo, de tão direitos que vão a conduzir? Eu quando comecei era assim, e quando chegava às curvas parecia o homem estátua com o corpo mais rijo que mármore. Não dá. Isto influencia o comportamento da mota e rebenta contigo em pouco tempo.

Os braços e mãos têm de estar relaxados, em vez de fazerem peso sobre os punhos. O abdominal e as coxas é que devem suportar o peso do corpo. Deves conseguir mexer-te à vontade em cima do banco, de um lado para o outro, para a frente e para trás. Se tiveres o corpo tenso a rigidez dos teus membros é transmitida ao chassis da mota, e isso influencia directamente o comportamento em curva, a direito, nas manobras e vai deixar-te todo partido ao fim de poucos kms.
Se estiveres agarrado com força aos punhos até podes estar a contrariar o movimento natural da mota e nem sequer dares por isso. Um bom barómetro é perceberes se ao fim de poucos kms começas logo a ter dores nos pulsos, ou nas costas.
Relaxa o corpo, põe-te numa postura natural, procura sentir o equilíbrio natural da tua mota e usar a força do teu corpo apenas para controlar esse equilíbrio quando é necessário.
Sempre que andares de mota pensa que és o homem-aranha agarra-te à mota com leveza e flexibilidade e mantem sempre o teu sentido do perigo alerta, é mais seguro e mais eficaz do que pensares que és o homem-de-ferro.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Ninja ZX12R: a segunda melhor mota do mundo (Parte I)





















CABUUUUUUUUMMMM!!!!! Um ninja12 assassino, que teve aulas com um taliban, explode-se com 10 quilos de Semtex contra a minha pessoa e a minha Busa, por causa da tamanha heresia que acabei de dizer ali no título.

Como assim a segunda melhor mota do mundo?!

Antes de começar e explicar-me quero fazer um enquadramento geral. A Kawasaki Ninja ZX12R é uma mota da categoria hiperdesportiva. É uma mota de estrada, com um motor de 4 cilindros 16v, 1199cc e mais de 190cv (de origem, declarados pelo fabricante, quando o ram air – admissão forçada de ar no motor – entra em funcionamento). É uma bestialidade de mota que tem performances do outro mundo, e foi construída para fazer concorrência a outra bestialidade de mota que é a Suzuki Hayabusa, de que já aqui falei (ver “A vida na Hayabusalândia”). A Ninja 12 era para ser a cartada triunfal da Kawasaki para acabar com o jogo entre as marcas japonesas de ver quem fazia a mota mais potente e mais rápida do mundo. Se começarmos pelo período em que a Honda lançou a XX Blackbird, cronologicamente temos a seguir a Hayabusa da Suzuki, e depois a Ninja 12 (lançada em 1999). Para terem uma ideia de como é feroz a competição entre as marcas japonesas reparem que até o nome da Suzuki mostra esse posicionamento: Hayabusa – japonês – espécie de falcão, que come pássaros, e a Honda chama-se Blackbird!

Podemos dizer que em termos de perfomance a Busa engoliu duma assentada a Blackbird e cuspiu as penas. Portanto até 2006 tivemos num canto a Busa e no outro a Ninja 12. Degladiaram-se nas pistas, nos testes, nas vendas, nas auto-estradas, no boca-a-boca nos cafés. Então a BMW espantou tudo e todos com a K1200S. Os amigos germans perderam a cabeça e passaram a fronteira auto-imposta dos cem cavalos, logo com um passo de gigante. Ou por outras palavras abriram a pestana e finalmente presentearam o mundo com a versão alemã de uma mota que anda ali entre o hiperdesportivo e o superturismo. Uma mota de estrada com um motor de 4 cilindros, 1200cc, de 160 cv!, uma ciclista capaz de fazer tremer as all mighty japonesas, e bastante mais confortável. E por fim no ano passado a Kawasaki lançou a ZZR 1400.

Agora a vida da Ninja 12 tal como a conhecemos está a chegar ao fim. Em estilo de biografia podemos dizer que viveu marcada pelo duelo com a Busa.
Este duelo mais do que ser épico é um retrato perfeito do que é a relação do homem com a sua máquina.

Quem tem a Ninja 12 dirá sempre que é a melhor mota do mundo e vice-versa. Em comum essas pessoas têm também o facto de a sua paixão ter crescido com a utilização. (Ou isso, ou ficaram intimidadas pela bestialidade duma ou outra e venderam-nas logo de seguida.) Mas será que é possível chegar a uma conclusão?

Vamos lá ser honestos e pôr as paixões de lado. A Kawasaki Ninja ZX12R nunca conseguiu assumir-se, para lá de qualquer dúvida, como a melhor hiperdesportiva do mundo. Ah pois não! No mínimo dos mínimos sempre subsistiu a dúvida “será que é?”, “será que não é”, “é mais rápida?”, “mais velocidade de ponta?”, “ melhor binário?”, “mais elástica?” “melhor na Dragstrip?”, “melhor a curvar?”, “melhor no conjunto?”, “e se lhe fizermos um tuningzito?”, “eu acho que sim”, “eu acho que não”. Polémico, portanto.

As opiniões vão dividir-se sempre. Até conheço mais do que um representante de uma ou ambas as marcas (Suzuki e Kawasaki) que com frequência colocava essa pergunta aos seus clientes “mas qual é que achas que é a melhor?”.

Em vários testes independentes, sem kitanços de parte a parte, só com as meninas de origem, a Hayabusa bateu vezes repetidas a Ninja. Para ser justo também tenho visto ao longo do tempo alguns testes em que uma Ninja bateu uma Busa. Quanto a kitanços nem vou entrar por aí por uma razão simples: até hoje ainda ninguém descobriu qual o verdadeiro limite do motor da Busa! Elas continuam a aparecer com 499 cv e 700cv e até em carros de corridas são usados. Isso traz muitas outras variáveis para a questão, portanto fica para outro dia.

Como proprietário de uma Hayabusa ouvi dezenas de vezes tipos a dizer com um sorrisito travesso “mas a Ninja 12 é melhor”, na maioria são pessoas que nunca fizeram muitos kms em nenhuma das duas, muitas nem sequer chegaram a sentar o cú em qualquer uma delas, quanto mais rodar kms suficientes em ambas para perceber qual é a melhor. Quanto aos que tiveram oportunidade de andar nas duas o suficiente, nunca conheci ninguém que racionalmente conseguisse dizer esta é melhor, ou aquela é que é. Só emocionalmente.

Mas digamos por hipótese que no combate Ninja12 v Busa o juri estava dividido por igual e que se avistava um empate técnico. Se dúvidas houvesse elas desfizeram-se no dia em que a Kawasaki lançou a ZZR 1400. Nas palavras do próprio director de marketing mundial da Kawasaki na conferência de imprensa no lançamento “Estávamos fartos de ouvir falar da Hayabusa”. Isso significa que a Busa venceu aos pontos no que diz respeito a: vendas, testes e na mota mais frequentemente mencionada como a melhor hiperdesportiva do mundo. A Kawasaki quis claramente pôr um ponto final nesse assunto, e para isso teve a necessidade de fazer uma mota em vários aspectos melhor que a 12. E agora nos testes a nova ZZR 1400 bate a Hayabusa e ponto.

Encerrada que está a discussão dos números (potência, e tempos), até a próxima versão da Busa sair, deixem-me dizer o que eu sempre pensei desta discussão entre a 12 e Busa: é conversa de merda. É conversa do género “a minha pila é maior que a tua”, mas por uma diferença de milímetros, não de metros e muito menos de kms.

Eu que vivo no mundo real das perfomances humanas, que não tento fazer numa mota mais do que me sinto confortável fazer, vejo a questão bem mais de outra maneira. Vou dar-vos um exemplo: eu e o meu cunhado vamos para a serra, ele vai na 12 dele eu vou na minha Busa, ele curva mais rápido que eu. Nós trocamos de motas como fizemos milhares de vezes, ele continua a curvar mais rápido que eu. Ou seja, o que as mãozinhas do condutor conseguem fazer é bem mais relevante do que qual delas é a máquina com os melhores tempos. Qual é a conclusão?

Na estrada, em última análise, o mesmo condutor da vida real, num mundo real, (por oposição aos deuses que vemos no Motogp) não conseguirá ser estupidamente mais rápido numa ou noutra, mas conseguirá ser estupidamente feliz por igual a conduzir ambas.

E se para ti isto não for o mais importante, então o melhor é ires para uma dragstrip fazer arranques contra uma Ninja, ou contra uma Busa conforme a que for a menina dos teus olhos. Ou para a auto-estrada que é que faz muita gente. Pessoalmente, não acho muito interessante, e depois mesmo aí as mãozinhas fazem diferença.

Ninja ZX12R, a diabólica (Parte II)

E assim o que importa dizer é que a Ninja 12 é um estrondo de mota! Tem uma perfomance tão fabulosa e única que dificilmente encontrarás melhor. E comparando com a Hayabusa só tenho a dizer: é o exemplo perfeito de como duas máquinas conseguem de maneiras tão distintas dar exactamente o mesmo nível de adrenalina e emoção, em quantidade e qualidade. Em termos de performance a 12 é completamente diferente da Busa, mas é mais uma diferença de carácter e personalidade, do que uma diferença para melhor ou para pior. E isso é importante na hora de escolher uma das duas: perceber qual delas combina melhor com a tua personalidade, com a tua forma de conduzir, e em qual delas tu conseguirás tirar o melhor motard que há em ti. Aí, pois claro, haverá um vencedor para cada um.

Para o Ninjabroder que tem uma 12 há 4 anos, com 26 mil kms, e umas mexeditas que lhe sacaram mais potência do 1200cc, ainda hoje ao andar nela não acredita que haja qualquer outra mota capaz de a igualar em aceleração e binário. Para mim que já andei várias vezes nessa 12 tenho a dizer que fico parvo cada vez que lhe abro o punho. Se na Busa a potência aparece como um pontapé na cara, na 12 é a elasticidade do motor que me parte a cabeça toda. Aquilo é um demónio que não se revela à primeira torcida de punho. Vai-se revelando.

Testes a Ninjas 12 em banco de ensaio revelaram uma potência de aproximadamente 163cv na roda quase às 10 mil rotações. Isto confirma a sensação quando se conduz de ser um motor pontudo. É quando as rotações começam a subir que o demónio destapa a cara toda e mostra uma fúria de fazer homens grandes borrarem-se pelas pernas abaixo. Imaginem só +190cv que aparecem em todas as mudanças, até em 6ª com toda a fúria perto do redline (11 mil). Como diz o Ninjabroder “é preciso conhecê-la de coração para saber domar a besta”. E ter barba rija, acrescento eu.

Ao saltar para cima da bicha nota-se logo que é alta. O quadro monocoque é no mínimo uma solução original. Agarra o motor numa posição elevada, logo o centro de gravidade não é baixo. Mas a posição de condução até é bastante confortável para uma “R” . O banco é espaçoso, as pernas não vão demasiado encolhidas e o peso do tronco não vai todo em cima dos pulsos. O ecrã protege bem mais que o da Busa. Para fazer velocidades de cruzeiro de +250km/h uma pessoa vai menos encolhida que na Busa. Mas o banco é rijo e isso nota-se bem ao fim de um dia de viagem. E a propósito de um dia de viagem, a 12 tem fama e proveito de ser sedenta de gasosa. Em boa verdade a ideia que tenho quando eu e o Ninjabroder nos juntamos em passeatas é que esvaziamos os depósitos (21L ambos) mais ou menos em simultâneo. E a Busa até faz umas boas médias tipo 7l/100km com um abuso relativo.

Também não é menina que goste de passear pacatamente na cidade ou entre carros, apenas porque o motor vai estar sempre a pedir rotações, porque serpenteá-la até se faz bem. Maior problema é se começar a aquecer, nessa altura há duas ventoinhas que vão libertar um inferno direitinho a ti.

Mas vamos lá ver! Aquilo que define a Ninja é ser uma mota racing em todos os aspectos, não um racing de pista tipo uma Ducati 999R, mas sim um espírito racing que se nota logo que começas a andar. Ela não gosta de andar devagarito, ela gosta que puxem por ela até ao limite. Seja pelo motor, seja pelo chassis a curvar. E se o tentares fazer, ela recompensa-te com um limite fora do alcance do comum dos mortais. Estrada aberta e curvas, é o que ela te vai pedir. Aí, numa palavra, é: alucinante.

Para o tamanho que tem é uma mota super equilibrada, ao ponto de não ter nem precisar de amortecedor de direcção, o que para uma mota com 208kgs e +190cv que voa e curva assim tão rápido é dizer muito. Mas as boas sensações que a Ninja transmite não aparecem logo. Logo, logo, quando lhe saltas para cima, parece uma mota nervosa, alta que, a baixa velocidade, até nem parece ter muita vontade de se deitar, como se houvesse ali uma certa resistência. É quando a paisagem começa a ser um borrão colorido que começas a perceber o mundo de performance que tens nas mãos. Para domá-la em pista, ou em curvas apertadas tipo serra precisas de garras de ninja, mas vais conseguir ser rápido. Ao longo dos anos o chassis da 12 tem sido merecido de alguma imprensa especializada o galardão de ser mais competente que o da Hayabusa. À semelhança do motor, é a puxar pelo chassis que se nota a sua grande eficácia. É duro de uma maneira que transmite segurança, em curva e a qualquer velocidade absurda que decidas dar. E é nessa altura que te vais sentir mais confortável nela. Isso é o verdadeiro “milagre” que a Ninja consegue sacar. Quem diria que é a 280km/h que te sentes bem nela, ou a 120 numa curva apertada que deverias fazer a 60, ou a 240 numa curva que deverias fazer a 100!!!! Parece mal estar a falar a falar destas velocidades mais que ilegais? Só tenho a dizer que foi para isso que esta mota foi feita e é a esse nível que ela opera melhor, que transmite ao condutor o melhor que tem para dar. A esse nível o condutor sente que a mota está confortável, segura e sente até que tem muito mais para dar. É estupidamente ilegal, mas não se enganem quem tiver uma 12 mais tarde ou mais cedo vai ver-se numa situação desse género.

Quanto à travagem é um verdadeiro assombro. Esqueçam o travão de trás. É o da frente que manda tudo. É só um cheirinho com um dedo e uma pequena mordidela faz parar o monstro. Os Tokico de 6 êmbolos têm a sensibilidade de um mamilo arrepiado, reagindo sempre ao mais leve toque. E isso faz toda a diferença na hora de ter confiança para domar a besta.

Acredita que é demónio para te pregar uns sustos, não é mota para iniciados. Isso pode acontecer quando a pessoa que a conduz começa a experimentar esticar-se mais. Não é que ela tenha reacções bruscas ou inesperadas, é a velocidade que tu atinges que te pode apanhar desprevenido, ou então se não souberes muito bem o que estás a fazer. Se não a conheces vai avançando com todos os preliminares, e então sim ela vai te recompensando com performances muito além das tuas capacidades.
E para além disso saca cavalos que é uma maravilha. Aquilo deve ser melhor que chocolate porque cada vez que saio com o meu cunhado em 100 kms, 50 a roda da frente vai no ar! (E olhem que o Ninjabroder gosta mesmo de chocolate!)

Meu amigo, o reinado da Ninja 12 seja lá ele qual for será definitivamente delapidado pela ZZR 1400, é comercialmente inevitável. Já quase não se vêem nas ruas, nem sequer no Algarve onde as Kawas dominam a olhos vistos as ruas. E isso poderia querer dizer que esta conversa toda veio tarde.
Mas, e isto é um grande “mas”, se pensares bem é provavelmente uma boa altura para comprar uma. É de esperar que o preço dela nova nos stands baixe um pouquito face à ZZR 1400 e à GTR que aí vem e, por outro lado, se encontrares uma Ninja 12 à venda em segunda mão com poucos kms que saibas que é de absoluta confiança vais conseguir negociar um bom preço para ti. A única recomendação é teres um mecânico de confiança que lhe faça toda a manutenção certinha, e então ó meu amigo, nem penses duas vezes!, será provavelmente uma das maneiras mais baratas de teres uma mota com as melhores perfomances do mundo. Ou por outras palavras, uma maneira acessível de poderes mostrar ao mundo que tens uns tomates grandes. Muito grandes.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Para o meu Tiago






















Hoje é dia mundial da criança não podia deixar de prestar aqui a minha homenagem ao puto mais espectacular que há: o meu Tiago de 3 anos e 6 meses (completados precisamente hoje). O maior dos vencedores, nascido prematuro de 27 semanas e 3 dias, pouco maior que um palmo da minha mão. Logo desde o primeiro minuto de vida mostrou ao mundo que estava cá para lutar pela vida.

Chego a casa já tarde para variar. Umas 22h talvez não me lembro bem, mas é mais ou menos o costume. Maravilha das maravilhas o Tiago ainda está acordado. Ainda antes de tirar o blusão as luvas e as botas vou direito ao quarto dele com um enorme sorriso e muita excitação. Espreito ainda antes de entrar. Ele está à direita da porta, em pé agarrado ao armário dos brinquedos com as duas mãos e, com um ar de polícia sinaleiro estende-me a mão em sinal de STOP! e fala-me com autoridade:

- NÃO NÃO! Não entres estou a fazer cocó!

Há lá coisa melhor do que as crianças? Não, não há.

Controlo a vontade de me partir a rir e digo-lhe:

- Ok, então vou ali despir-me e pôr o pijama, já volto…

E o puto:

- Está bem, e depois podes vir dar-me um beijinho!

E como por magia toda a trapalhada e stress de um dia atribulado se evapora instantaneamente.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Dica#23: usar contra-brecagem para curvar

Ok tira da cabeça a imagem de rodar ao contrário o voltante de um carro para controlar a traseira. Já está? Já tiraste? Então ‘bora lá explicar que raio é isso de contra-brecar numa mota.

Trata-se de um movimento que é feito com delicadeza para ajudar a mota a inclinar-se com mais facilidade/rapidez para o lado que vais curvar.
Imagina que tens uma curva para a direita (apertada ou aberta, não interessa), ao entrar na curva, se aplicares um pouco de pressão no punho direito da mota (um LIGEIRO empurrãozinho para a frente) a mota vai inclinar-se com facilidade para a direita.

A experiência é simples de fazer. Escolhe uma estrada em recta (cuidado com o trânsito) com muita delicadeza empurra ligeiramente para a frente o punho da direita. A mota deverá inclinar para a direita. Depois repete o mesmo para esquerda, e a mota deverá inclinar para a esquerda.

Porque é que é bom saber isto? É uma técnica que te ajuda a controlar a tua mota com menos esforço físico, porque torna mais rápido o movimento de inclinação, e dá-te maior controlo sobre esse movimento, porque sendo a mão uma parte do teu corpo com grande sensibilidade, permite-te dosear com precisão os graus de inclinação que pretendes.
Por outro lado, ajuda-te também à saída da saída da curva quando precisas de “levantar” a mota. Imagina que estás a curvar para a direita, se fizeres pressão para a frente no punho esquerdo a mota levanta-se (endireita-se) com mais rapidez.

Utilidade prática na estrada? Ajuda-te a fazer um movimento mais rápido para inclinar a mota para curvar, ajuda-te a levantar a mota para sair da curva, ajuda-te a mudar de direcção em curvas e contra-curvas, e ajuda-te a desviares rapidamente de um obstáculo na estrada. Resumindo dá-te maior controlo sobre a mota.

Mas isto não é uma ganda tanga? No próximo Motogp que passar na tv está atento às câmaras onboard. Eles filmam muitas vezes a roda da frente justamente para mostrar o comportamento dela em curva. Vais reparar que quando a mota já vai muito inclinada o piloto ainda faz contra-brecagem e bastante, e que isso tem um efeito imediato de deitar ainda mais a mota. Em especial o Capirossi usa muito.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Dica #19 sobre motas: jogar à sardinha

Eu cá ando na estrada como se toda a gente me quisesse matar. Não é que eu seja maníaco, é que ajuda-me a estar o mais alerta possível. Estou sempre à espera de um carro que salte para a minha faixa, ou para cima de mim, de um peão escondido entre os carros, ou até de outra mota, de alguém que trava quando não tem nada à frente, ou de uma poça de óleo na estrada, de uma ovelha que dá três pinotes e salta para estrada bem no meio de uma curva sem visibilidade (esta já me aconteceu), de um cavalo que estava a pastar foi picado por uma mosca assustou-se e saltou para a estrada quando eu ia a 180 (esta também, ah pois é!). Bem acho que já deu para perceber a ideia. O inesperado acontece. Qual a atitude a ter? Tás a ver o jogo da sardinha? Tens as mãos por cima e não sabes quando vais levar um estaladão nas costas da mão, e estás pronto para safar a mão a qualquer instante. É o tipo de atitude que ajuda a puxar para o teu lado as probabilidades da coisa correr bem na estrada.

A estupidez não compensa

A cena repete-se. É de manhã, acabo de entrar no meu local de trabalho e, enquanto me despacho dos acessórios motociclisticos, um colega comenta “os teus amigos andam a cair que nem tordos!” e acrescenta “hoje vi mais um estendido na 2ª circular”. Ontem foi na IC19, e anteontem já não me lembro. É triste. Não o acidente, isso é mesmo uma grande infelicidade. O que é triste é ter de ouvir sempre os mesmos comentários à cerca dos motociclistas: “são uns anormais a andar na estrada”, “não respeitam ninguém”, “no outro dia pregaram-me um susto”, “não vi quem foi o culpado do acidente, mas o gajo da mota...”, “e tu andas de mota?, olha que a tua pele é o pára-choques” etc, etc. Pessoalmente, não acho simpático, e não é com este tipo de comentários que me fazem deixar de andar de mota. Quanto mais não seja, não são mais do que constatar o óbvio. Toda a gente sabe que há por aí muitos anormais a andar de mota, e que andar de mota tem riscos.
Eu vou respondendo que “anormais a conduzir” não é só nas duas rodas, que não devemos relacionar uma coisa com a outra, e que por outro lado a vida está cheia de riscos. E sim, tenho medo de andar de mota, mas não é o medo do que pode acontecer que me impede de fazer porra nenhuma na vida. Como em tudo na vida que tem riscos, o que posso e devo fazer é tentar minimizá-los ao máximo, tanto quanto é humanamente possível.
E há muitas coisas a fazer ao alcance de qualquer motocilista para tentar minimizar riscos, e melhorar as estatísticas. Conduzir com segurança é uma. Mas vou falar de duas que, por simples observação do que se passa à minha volta, hoje considero não serem assim tão óbvias.

Em primeiro lugar o equipamento.
Todos os dias vejo motociclistas de calcinhas e blazer. Sem luvas, e de sapatinhos ou ténis. Raramente vejo um mesmo bem equipado (sobretudo na cidade). Eu sei que o equipamento é caro e chato de usar - e de carregar quando não estamos a andar de mota. Mas não se armem em parvos! O Shinya Nakano há dois anos teve um acidente a 310 km/h!, numa prova de Motogp o pneu de trás rebentou, ele foi projectado e depois de muitas cambalhotas, e de bater em todos o lados que havia para bater, levantou-se! Não teve lesões porque estava bem equipado. Ora, o que se vende nas lojas é muito parecido ao que ele usa. E mesmo que não fosse igual, igual (porque o fato dele é feito por medida e blá blá blá) tu vais andar a 310 na estrada? Não, não vais. Mas andes como andares, não tenhas medo de parecer o RobotCop. Usa fato completo com as protecções todas, ou em duas peças (blusão e calças), em cabedal de preferência, ou textil para a chuva e frio. Usa botas e luvas de mota, usa protecções de coluna, mesmo que esteja um calor de rachar. Deixa um par de sapatos no escritório, chegando lá trocas as botas. Nada disso faz falta nenhuma até ao dia em que faz toda a falta, logo: usa todos os dias. Seja qual for a tua mota, gastas dinheiro na máquina não és capaz de gastar dinheiro para salvar a pele? Se isso pode salvar-te uma perna, outro membro qualquer ou mesmo a vida num acidente, que raios é uma coisa a fazer no exacto momento de comprar a mota.

Depois há a segunda coisa que é: ser civilizado.
Eu tento não ser estúpido com os demais utilizadores da via pública, justamente porque é pública. E se o gajo do carro tem uma má opinião sobre motards em geral, cabe a cada um de nós em particular educá-los. Eu não sou santinho nenhum a andar na estrada, mas tento ser o mais civilizado que consigo ser com quem anda na estrada para além de mim. Mesmo quando um tipo num carro faz uma anormalidade à minha frente. Por duas razões, nem todos eles são estupidos, e porque acredito que com uma boa atitude cívica é possível ir mudando-lhes a opinião. Se me deixam passar agradeço sempre, se não me deixam passar, eu vou passá-lo na mesma, de alguma maneira, mais tarde ou mais cedo, mas com o máximo de segurança para mim e para ele, e faço-lhe sinal de agradecimento na mesma. Não vou buzinar-lhe, nem pregar-lhe uma razia, nem partir-lhe o espelho ao pontapé. Isso só vai enfurecê-lo ainda mais, e desgraçado do gajo de mota que vier depois de mim. Geralmente, espero ser visto, espero que me dêem passagem, faço sempre sinal a agradecer. Se vou entre filas compactas de trânsito, e não consigo passar entre dois carros, não desato aos berros com o condutor. Espero que me veja e depois agradeço. E se não deixarem passar espero pacientemente. Respeito as filas para pagar portagens, ou para abastecer nas bombas de gasolina, ou para entrar numa parque de estacionamento. Se um carro à minha frente inicia uma ultrapassagem dou-lhe prioridade. Não te esqueças que as motas andam tão rápido que, no tempo que leva um condutor a olhar para o espelho (ou não), pôr o pisca (ou não) e virar o volante, dá para um motard que não se via no espelho já estar em cima dele. Trava, ou abranda, e depois passa-o em segurança, não é isso que te vai atrasar. Quando ultrapasso escolho uma trajectória o mais longe possível do carro, para me proteger, e para o proteger de apanhar um susto (porque pode não me ter visto). Se pisar um risco contínuo para o passar, ainda que na prática não ponha ninguém em risco, faço-lhe um sinal com a mão, como que a pedir desculpa, na verdade fiz uma manobra proibida. Se precisar de chamar a atenção de um automobilista usando a buzina, dou um pequeno toque, e mais outro se continuar a ser necessário, mas não carrego na buzina como se estivesse na Luz a puxar pelo meu Benfica. Resumindo, tento ser o mais paciente possível e civilizado, e tento que o condutor do carro perceba isso. Pensa assim: se quiseres ter uma aventura sexual com uma pessoa que não conheces não chegas ao pé dela e lhe berras aos ouvidos “QUERO IR PÁ CAMA CONTIGO!!! OU VAIS, OU VAIS, OUVISTE?!!!”. Não, pois não. Pelo contrário, vais jogar com a sedução para a consquistar. Em última análise é isso que precisamos de fazer com os nossos amigos condutores de carros. Estas e outras regras de que te vais lembrar quando fores na estrada ninguém nos ensina na escola de condução. Faz parte de sermos pessoas civilizadas. Com elas podemos gerar goodwill. Com tempo é claro. Esta conversa toda vem também a propósito da notícia de que os franceses assinaram em Paris a «Carta de Conduta e Boas Práticas para Motociclistas», o que é muito louvável, e só diz bem da democracia que eles têm. De facto, em matérias do género sempre foram um povo muito à frente. O meu ponto é o mesmo desta iniciativa. É preciso incentivar a boa convivência entre os meios de transporte. Nós não queremos que um automobilista pense “lá vai a besta do motard”, não nos podemos sequer dar ao luxo de deixar que isso aconteça. O que nós precisamos é que, em todos os momentos que ele estiver a conduzir se lembre que andam aí motas, com tanto direito à estrada como ele próprio, que são um veículo com características diferentes na sua mobilidade no trânsito, que isso é bom, e queremos que ele antes de iniciar qualquer manobra tenha isso em conta. E isso, ma friends, pode salvar vidas. Talvez um dia chegue ao escritório e ouça “epá, que bom que é andares de mota, ajudas a resolver os problemas de trânsito” ou “sempre que dou passagem a uma mota, os gajos agradecem-me!, são uns tipos simpáticos”.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

A vida na Hayabusalândia

















Para começo de conversa vamos a umas noções básicas de Hayabusalandês, que é a língua que se fala na Hayabusalândia. Como é que se diz quando abres o punho todo em 3ª? “Ai meu Deus!”. Como é que se diz quando descobres que a 1ª dá 120 km/h? “F@ck”. Como é que se diz quando no meio de uma curva rodas o punho 2 mm e adicionas instantaneamente 40 km/h à tua velocidade? Diz-se um esganiçado “Ai mãezinha”. Como é que se diz quando percebes que a 2ª dá 180 km/h? Não se diz nada, engoles em seco. Como é que se diz quando vais confortavelmente na estrada, vês o conta-quilómetros e percebes que a velocidade que levas chega e sobra para te mandar para a cadeia? “Ai JESUS!!!!” Bem vindo à Hayabusalândia, onde todas as estradas são um paraíso, onde todas as paisagens são um borrão colorido, onde os monólogos do capacete são onomatopeias e palavrões, e onde as mulheres são lindas!

Por esta altura deves estar a perguntar-te porque é que carga de água venho eu falar da Hayabusa agora? (Suzuki GSX 1300R para os mais distraídos.) Um modelo com 8 anos, que já bateu vezes sem conta todos os recordes de tempos, e de títulos na imprensa. Por duas razões, primeiro porque considero que há pazadas e pazadas de coisas a dizer sobre a Hayabusa que eu nunca vi/ouvi ninguém a abordar na imprensa tuga, e é pertinente abordá-las porque esta moto continua a ser uma opção relevante para quem está a pensar comprar moto. Segundo, porque como apaixonado de motas uma das coisas que mais curto fazer (sem estar em cima da Busa) é falar sobre motas com pessoal que gosta de falar de motas. Ora a minha ideia aqui e justamente criar um espaço onde essas conversas de café sobre motas possam ter uma dimensão maior.

A Hayabusa é um modelo que não teve alterações desde que foi lançado! Nicles, niente, está exactamente igual ao original lançado em 1999 (excepção feita para os esquemas de cores, e as baínhas com tratamento dourado). E os nossos amigos japas não parecem fazer tenções de ir mudar o estado das coisas tão cedo. Ora, uma coisa parece-me certa, isto não acontece por ser um modelo em fim de vida. Apesar de poder parecer datada, no seu conjunto a Hayabusa se não for a melhor em todos os aspectos, pelo menos está a par da concorrência, e com um preço mais acessível. O que tendo em conta a sua idade e a velocidade louca a que as motos levam actualizações (qualquer coisa como ano sim, ano sim) é absolutamente fenomenal. Mas então o que é que faz esta moto ser relevante?

Não vou inventar, a primeira coisa que espanta ainda hoje na Hayabusalândia é o motor. As capacidades do 4 cilindros em linha de 175 cv fazem-se notar e bem, de maneira tão única que toda a gente o devia experimentar pelo menos uma vez na vida. Tem potência de sobra em todos os regimes, e é tão linear que até faz confusão, não há nem poços nem hesitações, há pura e simples aceleração em todas as mudanças do princípio ao fim das rotações, como se estivéssemos sentados em cima de um hyperdrive a viajar no hiperespaço. Depois o chassis. Parece ter sido afinado com uma delicadeza e precisão cirúrgicas no limite do que uma moto deste tamanho permite. Percebes logo que é fácil de manobrar, não é ultra duro, como se sente numa moto superdesportiva, mas permite uma condução muito aplicada. Até a entrar numa curva a travar ele comporta-se lindamente, sem reacções bruscas e ajudando a corrigir a trajectória. E no que diz respeito a trajectórias é só apontar a frente para onde queres ir e abrir o punho, com slide ou sem ele, ela leva-te lá. Tudo o que o chassis exige do condutor é acreditar que a moto consegue fazer o que é necessário. Porque apesar de tudo se passar com muita rapidez, as reacções ate certo ponto aparecem dentro do previsível. Eu até diria que o chassis foi feito para eliminar todos os sustos que o motor consegue pregar. Isto dá confiança, e andar bem de moto tem tudo a ver com confiança.

Agora o que é igualmente surpreendente é o facto da Hayabusa ser uma moto que podes usar todos os dias, na boa, qualquer que seja a utilização que lhe queiras dar, até as menos óbvias. Andar na cidade? No meio do trânsito compacto? Sem espinhas, a Hayabusa “serpenteia” entre os carros, não direi como uma 600 mas com muita agilidade e tranquilamente. O centro de gravidade é muito baixo e para a frente, o que faz com que, em andamento o seu peso e volume “desapareçam”. As manobras a baixa velocidade são fáceis de fazer.

Circular pacatamente a 40/60 km/h? É canja, o binário monstruoso permite meter a 6ª a partir das 1500 rotações por minuto!, que ela arranca sem um único soluço. Isto é uma grande vantagem para quem quer uma moto para uma utilização diária, em todas as situações. Sim, tem potência a montes, e sim anda que se desunha, mas se quiseres rodar devagarito é possível fazê-lo sem ter um motor nervoso a pedir rotações.

Viagens longas? É só escolheres a velocidade que queres ir: cruzeiro, ligeiramente acima do limite legal, míssil ou warp 9. O motor nunca parece estar em esforço. E quando digo nunca quero dizer que ele chega a todas velocidades que queiras (até ao limite) com decisão e força, ele não vai chegando aos 280km/h ele chega lá num instante, e fica satisfeito de rolar o dia inteiro à velocidade que escolheres.

Auto-estrada? Está em casa. Pápa quilómetros vertiginosamente e com conforto bastante aceitável. Até aos 180/200 km/h a deslocação de ar que apanhas no tronco é pouca, apenas o suficiente para apoiar o peso do teu corpo. A partir daí é preciso a pessoa esconder-se atrás do ecrã, se é que isso é possível... porque não é uma maravilha em termos de protecção, diga-se, foi desenhado no túnel de vento para atingir os tais 300 e tal km/h e não para ser confortável (muitos habitantes da Hayabusalândia optam por pôr um ecrã mais alto, e a coisa resolve-se).

Curvas abertas? É o terreno dela, porque consegues tirar todo o partido do motor e do chassis. Tudo o que é preciso fazer é apontar a frente para onde queres ir, posicioná-la bem na estrada. A entrada em curva é feita com precisão, e suavidade. Ao sair da curva é só rodar o punho para deixares para trás qualquer coisa que tenha rodas. E acima de tudo, se souberes fazer uma condução fluida terás das sensações mais fantásticas que se consegue na Hayabusalândia, porque vais devorar curvas e contra-curvas a uma velocidade que até parece mal dizer.

Curvas apertadas? É óbvio que uma superbike, ou supermoto são mais ágeis a deitar de um lado para o outro, mas também garanto que a Hayabusa em quantidade é igualmente divertida. Ela deita-se com à vontade, mais, ou menos, dependendo dos pneus que usares (os únicos recomendados pela Suzuki e pela Bridgestone continuam a ser os Bridgestone BT056 J, mas outras marcas de pneus têm modelos mais recentes, que recomendam para a Hayabusa, e oferecem performances mais em linha de conta com o que de melhor os pneus têm para oferecer hoje em dia). O segredo para dominar o excesso de potência e tamanho da Hayabusa em estradas com curvas e contra-curvas apertadas, mais uma vez, é começar por fazer uma condução fluida. Em vez de usar altas rotações, onde a potência aparece em doses de cavalo, começa por meter a terceira. O binário brutal vai dar-te aceleração mais do que suficiente para te catapultar de curva em curva, servir de travão-motor, dar-te tracção suficiente no meio da curva, e montes de aceleração à saída. E aqui também ajuda a injecção electrónica irrepreensível, sem hesitações e efeitos tipo desligado/ligado. Assim, à medida que, com o tempo vais tratando a moto por tu, torna-se mais fácil ir fazendo uma condução mais aplicada, usando mais a caixa.

Ir ao café? Sucesso total, ainda toda a gente fica espantada a olhar. O design da moto nunca foi consensual, mas cativa, e pelos “ahs!” que vai suscitando parece ter sobrevivido ao teste do tempo. E depois um gajo fica com um bom ar em cima dela.

Pista? Ela vai lá na boa, e poucas motos devem dar as sensações que esta consegue dar. Com um bom par de pneus tens um festival de peseiras a raspar o alcatrão, ponteiras a soltar faíscas, joelhito a raspar na curva, é o pais da diversão.

Queres uma moto económica? A Hayabusa faz médias de 6,5 l/100km com uma condução descuidada de preocupações com o consumo. Faz média de 5 l aos cem se andares com cuidado e sem passares dos 140 km/h. E se andares alarvemente a fundo, faz média de 8,5 ou 9l/100 km, o que atendendo às velocidades de que estamos a falar é muito bom.

A posição de condução não é nem superradical, nem superconfortável. Eu diria que é confortável qb. O ponto intermédio entre uma Goldwing e uma R6. O banco é molinho, há espaço à farta para mexer o traseiro para trás para a frente e para os lados, para manter a circulação do sangue nas pernas durante largos quilómetros. O assento é baixo, alguém com 1,65m por exemplo chega à vontade com os pés ao chão. E por outro lado, eu que tenho 1,80m encaixo-me perfeitamente, já que as peseiras não são demasiado altas. Nunca, me queixei dos pulsos, nem braços. Só das costas e alguma dormência no traseiro ao fim de um dia de viagem.

Os pelos da tua nuca gostam de sentir o rugido do motor? Meu amigo, nesse capítulo a vida na Hayabusalândia é um estrondo. Com as ponteiras de origem, a partir das 4 mil rpm os teus pelos vão estar sempre eriçados. Como diz o meu broder das curvas aquilo tem som de motor boxter Porche a correr em pista e a cagar rotações. Agora se quiseres pôr ponteiras racings, ou por exemplo o sistema completo Akrapovich, bem... eu já ouvi noutras Hayabusas e aquilo parece que abriram as portas do inferno!


Viajar a dois? É um compromisso razoável para o pendura. O banco é molinho e tem espaço. Mas aqui depende das dimensões do pendura. A minha companheira de viagens, de 1,60m, queixava-se de um fosso entre ela e o condutor (na realidade são dois bancos com uma altura de diferença entre um e outro) e como acabava por não ter apoio à frente as costas sofriam um pouco com isso. O melhor será o pendura apoiar-se no depósito, até por causa das acelerações, desde que o condutor não tenha costas de bodybuilder que dificultem chegar ao depósito. Mas há uma enorme pega atrás, e quanto à protecção do vento, tal como para o condutor, o pendura beneficiará de um ecrã mais alto. A condução não sai prejudicada, sobretudo se afinares correctamente as suspensões para dois.

E como é que se faz parar a besta? Tudo se passa tranquilamente se souberes o que estás a fazer. Com uma excepção, eu uso sempre o travão da frente e de trás em conjunto, e para fazer as coisas ainda mais perfeitas uso o travão-motor. As acelerações brutais de que ela é capaz criam uma inércia que faz com que na altura de alterar esse estado para parar não baste simplesmente dar um toque na manete. Apesar do tavão da frente ter potencia suficiente, eu na maioria das situações no dia-a-dia uso os dois travões em simultâneo. Isto ajuda a baixar o centro de gravidade e distribuir o peso mais pelas duas rodas, em vez de empinar todo sobre a frente, o que dá mais controlo sobre a moto. Depois, como o travão de trás é bom, é mais fácil suprimir kms/h da velocidade que levas. A excepção é a pista, onde as técnicas de travagem podem variar das de estrada, mas isso é um contexto específico. Apesar dos travões não serem a 5ª essência da tecnologia eles são muito bons. Nunca me deixaram ficar mal, mesmo depois de abuso contínuo a manete pode parecer esponjosa mas a capacidade de travagem mantém-se. Num comparativo recente entre a Hayabusa, a ZZR 1400 e BMW K1200 na Superbike Magazine inglesa é curioso ver que a Hayabusa teve o melhor resultado nas travagens!

E falando de motos mais actuais, para perceberem quão actual continua a ser a Hayabusa, que não teve melhoramentos desde que foi feita, vejam, como eu vi, os comparativos que andam a ser feitos. Até a nova ZZR 1400 se vê às aranhas nas recuperações (ok, ponham-me a venda e mandem-me ao cadafalso). É certo que a ZZR deve ser um estrondo de moto (eu nunca andei numa, mas gostava) e é sem dúvida a nova bitola do mercado, campeã dos novos recordes, mas também é verdade que os comparativos têm mostrado que só bate o “velho” 1299 cc por uma margem mínima, não por uma grande margem como seria de esperar, e em determinadas situações a Hayabusa fica taco a taco.

Por exemplo a nova GSXR 1000 é considerada por muitos uma moto perfeita, é um sucesso de vendas em todo o mundo e de 2 em 2 anos é bastante alterada. Mas é dirigida a um público que se caracteriza por correr a trocar a moto à primeira actualização. Ainda que na prática, na vida real, na estrada e até em pista, nós meros mortais que não nos chamamos Max Biaggi, não tiramos mais partido do novo modelo do que aquele que já conseguíamos tirar do anterior. Portanto, a questão que imagino que os tipos da Suzuki se ponham é: melhorar a Hayabusa? No quê? Como fazer uma nova Hayabusa em que as pessoas possam tirar ainda mais partido da condução? Quando? Os Suzuki boys sabem o que fazem, já o têm demonstrado repetidas vezes, não duvido que quando vier a nova Hayabusa o paraíso vai ser ainda mais perfeito.

Mas (há sempre um “mas”) nem tudo são rosas. Na Hayabusalândia come-se pneus ao pequeno-almoço. Tanta potência e binário têm os seus senões. Para já tem que sair por algum lado, e esse lado é o desgraçado do pneu traseiro que desaparece num piscar de olhos (comigo gastam-se num intervalo que vai dos 2 mil aos 6500 kms dependendo da marca e modelo do pneu que eu escolho pôr).

E depois não é uma moto para iniciados. Na Hayabusalândia tudo se passa muito depressa, não vale a pena fingir que não, e também é a terra dos slides. Não dá para não saberes o que estás a fazer em cima dela. Se qualquer moto exige do condutor respeito pela condução, esta exige 175 vezes mais. É preciso ter boas noções de condução, saber curvar e saber reagir. Este é um acelerador que pede alguma aprendizagem, precisa de preliminares ou ela morde. Convém recalibrar o cérebro para este tipo de velocidades. Nomeadamente, saber contar com as distâncias em concordância com este tipo de velocidades, e perceber que, por exemplo, ir deitado numa curva apertada em 2ª e abrir o punho alarvemente só pode dar asneirada.

Também é verdade que o acelerador tem dois sentidos, e eu sou apologista de que a moto só anda aquilo que o condutor quer. Mas é muito, muito fácil veres-te numa situação com excesso de velocidade. Seja a entrar numa curva ou a fazer uma ultrapassagem, ou por e simplesmente porque ao abrires o punho ela acelerou muito mais do que esperavas.

Porém nada disto deve ser visto como defeito, mas sim como feitio. Em relação aos pneus a verdade é que os pneus de hoje em dia oferecem uma performance assombrosa, a custo da duração em qualquer moto de cilindrada média alta que exija o uso de pneus bons, acima da média, esse problema acontece. E, pelo outro lado, desde que a entrada na Hayabusalândia seja feita com os devidos cuidados e preparativos, uma pessoa só pode esperar ser recompensada com boas sensações, em vez de cagaços.

E já agora, como se parece o habitante da Hayabusalândia? É um (ou uma) tipo que não é muito novo, nem muito velho. Assim na casa dos trintas, quarentas. É um tipo que tem de ter alguma liquidez para poder comprar a moto que lhe apetece. Regra geral, tem experiência de andar de moto, pelo menos alguma. É um tipo que gosta de velocidade, mas também já leva algum juízo na bagagem.

Ok, se calhar dizer que a Hayabusa faz as todas mulheres lindas é exagero, isso é mais o que a cerveja faz. Mas a cena é que quando uma pessoa experimenta algo de maravilhoso fica com aquele bom feeling que faz com que aos nossos olhos tudo fique mais bonito. É, ou não é verdade? É disso que se trata quando falamos de andar numa Hayabusa, é uma maravilha, na minha opinião provavelmente a melhor moto do mundo, se a considerarmos no seu conjunto (incluindo o preço) como veículo de transporte pessoal que permite várias utilizações. De tal forma que a sensação que eu tenho de cada vez que ando nela é que estou num mundo à parte: a Hayabusalândia.



Nota sobre alguns dados:
Todos os valores referem-se à minha utilização da minha Hayabusa que tem 3 anos, 47 mil kms e foi comprada nova. As velocidades indicadas são as que marcam no conta-quilómetros. Quanto à potência, 175 cv é o valor declarado pela marca de origem. Consultei vários testes realizados com Hayabusas em banco de ensaio que indicam que a potência na roda é de 160 cv. A minha não tem kitanços nenhuns. A única coisa que já substitui foi o chamado kit de transmissão – corrente e a roda de dentes de trás – por desgaste, aos 30 mil kms, que é o normal (neste tipo de motos, e aí a vantagem vai para a BM que tem veio de transmissão em vez de corrente). Não gasta óleo, muda a cada 6 mil que é a manutenção recomendada pelo fabricante, mas é só.