terça-feira, 29 de maio de 2007

A estupidez não compensa

A cena repete-se. É de manhã, acabo de entrar no meu local de trabalho e, enquanto me despacho dos acessórios motociclisticos, um colega comenta “os teus amigos andam a cair que nem tordos!” e acrescenta “hoje vi mais um estendido na 2ª circular”. Ontem foi na IC19, e anteontem já não me lembro. É triste. Não o acidente, isso é mesmo uma grande infelicidade. O que é triste é ter de ouvir sempre os mesmos comentários à cerca dos motociclistas: “são uns anormais a andar na estrada”, “não respeitam ninguém”, “no outro dia pregaram-me um susto”, “não vi quem foi o culpado do acidente, mas o gajo da mota...”, “e tu andas de mota?, olha que a tua pele é o pára-choques” etc, etc. Pessoalmente, não acho simpático, e não é com este tipo de comentários que me fazem deixar de andar de mota. Quanto mais não seja, não são mais do que constatar o óbvio. Toda a gente sabe que há por aí muitos anormais a andar de mota, e que andar de mota tem riscos.
Eu vou respondendo que “anormais a conduzir” não é só nas duas rodas, que não devemos relacionar uma coisa com a outra, e que por outro lado a vida está cheia de riscos. E sim, tenho medo de andar de mota, mas não é o medo do que pode acontecer que me impede de fazer porra nenhuma na vida. Como em tudo na vida que tem riscos, o que posso e devo fazer é tentar minimizá-los ao máximo, tanto quanto é humanamente possível.
E há muitas coisas a fazer ao alcance de qualquer motocilista para tentar minimizar riscos, e melhorar as estatísticas. Conduzir com segurança é uma. Mas vou falar de duas que, por simples observação do que se passa à minha volta, hoje considero não serem assim tão óbvias.

Em primeiro lugar o equipamento.
Todos os dias vejo motociclistas de calcinhas e blazer. Sem luvas, e de sapatinhos ou ténis. Raramente vejo um mesmo bem equipado (sobretudo na cidade). Eu sei que o equipamento é caro e chato de usar - e de carregar quando não estamos a andar de mota. Mas não se armem em parvos! O Shinya Nakano há dois anos teve um acidente a 310 km/h!, numa prova de Motogp o pneu de trás rebentou, ele foi projectado e depois de muitas cambalhotas, e de bater em todos o lados que havia para bater, levantou-se! Não teve lesões porque estava bem equipado. Ora, o que se vende nas lojas é muito parecido ao que ele usa. E mesmo que não fosse igual, igual (porque o fato dele é feito por medida e blá blá blá) tu vais andar a 310 na estrada? Não, não vais. Mas andes como andares, não tenhas medo de parecer o RobotCop. Usa fato completo com as protecções todas, ou em duas peças (blusão e calças), em cabedal de preferência, ou textil para a chuva e frio. Usa botas e luvas de mota, usa protecções de coluna, mesmo que esteja um calor de rachar. Deixa um par de sapatos no escritório, chegando lá trocas as botas. Nada disso faz falta nenhuma até ao dia em que faz toda a falta, logo: usa todos os dias. Seja qual for a tua mota, gastas dinheiro na máquina não és capaz de gastar dinheiro para salvar a pele? Se isso pode salvar-te uma perna, outro membro qualquer ou mesmo a vida num acidente, que raios é uma coisa a fazer no exacto momento de comprar a mota.

Depois há a segunda coisa que é: ser civilizado.
Eu tento não ser estúpido com os demais utilizadores da via pública, justamente porque é pública. E se o gajo do carro tem uma má opinião sobre motards em geral, cabe a cada um de nós em particular educá-los. Eu não sou santinho nenhum a andar na estrada, mas tento ser o mais civilizado que consigo ser com quem anda na estrada para além de mim. Mesmo quando um tipo num carro faz uma anormalidade à minha frente. Por duas razões, nem todos eles são estupidos, e porque acredito que com uma boa atitude cívica é possível ir mudando-lhes a opinião. Se me deixam passar agradeço sempre, se não me deixam passar, eu vou passá-lo na mesma, de alguma maneira, mais tarde ou mais cedo, mas com o máximo de segurança para mim e para ele, e faço-lhe sinal de agradecimento na mesma. Não vou buzinar-lhe, nem pregar-lhe uma razia, nem partir-lhe o espelho ao pontapé. Isso só vai enfurecê-lo ainda mais, e desgraçado do gajo de mota que vier depois de mim. Geralmente, espero ser visto, espero que me dêem passagem, faço sempre sinal a agradecer. Se vou entre filas compactas de trânsito, e não consigo passar entre dois carros, não desato aos berros com o condutor. Espero que me veja e depois agradeço. E se não deixarem passar espero pacientemente. Respeito as filas para pagar portagens, ou para abastecer nas bombas de gasolina, ou para entrar numa parque de estacionamento. Se um carro à minha frente inicia uma ultrapassagem dou-lhe prioridade. Não te esqueças que as motas andam tão rápido que, no tempo que leva um condutor a olhar para o espelho (ou não), pôr o pisca (ou não) e virar o volante, dá para um motard que não se via no espelho já estar em cima dele. Trava, ou abranda, e depois passa-o em segurança, não é isso que te vai atrasar. Quando ultrapasso escolho uma trajectória o mais longe possível do carro, para me proteger, e para o proteger de apanhar um susto (porque pode não me ter visto). Se pisar um risco contínuo para o passar, ainda que na prática não ponha ninguém em risco, faço-lhe um sinal com a mão, como que a pedir desculpa, na verdade fiz uma manobra proibida. Se precisar de chamar a atenção de um automobilista usando a buzina, dou um pequeno toque, e mais outro se continuar a ser necessário, mas não carrego na buzina como se estivesse na Luz a puxar pelo meu Benfica. Resumindo, tento ser o mais paciente possível e civilizado, e tento que o condutor do carro perceba isso. Pensa assim: se quiseres ter uma aventura sexual com uma pessoa que não conheces não chegas ao pé dela e lhe berras aos ouvidos “QUERO IR PÁ CAMA CONTIGO!!! OU VAIS, OU VAIS, OUVISTE?!!!”. Não, pois não. Pelo contrário, vais jogar com a sedução para a consquistar. Em última análise é isso que precisamos de fazer com os nossos amigos condutores de carros. Estas e outras regras de que te vais lembrar quando fores na estrada ninguém nos ensina na escola de condução. Faz parte de sermos pessoas civilizadas. Com elas podemos gerar goodwill. Com tempo é claro. Esta conversa toda vem também a propósito da notícia de que os franceses assinaram em Paris a «Carta de Conduta e Boas Práticas para Motociclistas», o que é muito louvável, e só diz bem da democracia que eles têm. De facto, em matérias do género sempre foram um povo muito à frente. O meu ponto é o mesmo desta iniciativa. É preciso incentivar a boa convivência entre os meios de transporte. Nós não queremos que um automobilista pense “lá vai a besta do motard”, não nos podemos sequer dar ao luxo de deixar que isso aconteça. O que nós precisamos é que, em todos os momentos que ele estiver a conduzir se lembre que andam aí motas, com tanto direito à estrada como ele próprio, que são um veículo com características diferentes na sua mobilidade no trânsito, que isso é bom, e queremos que ele antes de iniciar qualquer manobra tenha isso em conta. E isso, ma friends, pode salvar vidas. Talvez um dia chegue ao escritório e ouça “epá, que bom que é andares de mota, ajudas a resolver os problemas de trânsito” ou “sempre que dou passagem a uma mota, os gajos agradecem-me!, são uns tipos simpáticos”.

2 comentários:

Milagaia disse...

Ui... os comentários dos colegas!!! Já me cansei, deixei de tentar explicar o quer que seja. Aquelas cabeças estão tão "feitas" que, por mais demonstrações que façamos, iremos continuar a ser sempre considerados os maluquinhos, a "carne para canhão".
Hoje em dia, prefiro ignorar, ou por vezes até dizer ainda mais mal dos motociclistas, do que aquele que os meus colegas dizem... só assim eles percebem que estão a pisar o risco e acabam com os comentários.
Muito sinceramente, deixei-me de preocupar com os comentários e com a imagem que os outros têm de nós. Sei quem sou, os meus amigos sabem como sou, o resto... passa-me ao lado. Acho que é a melhor atitude.
Quanto ao uso do equipamento que falas, 100% de acordo, não se pode arriscar. Já agora, e pegando neste tema... onde é que estavam a luvas na foto que colocaste sobre "a vida na Hayabusalândia"???? Ai, ai!!!!
Abraço

abbocath disse...

Bem meu caro, tenho que concordar ctg em todos os aspectos! quanto ao equipamento de protecção ninguém deverá dar abébias!nem mesmo quando damos boleia a um amigo ou então "é só até ali ao café da esquina"!
quanto ao civismo, aí temos que nos lembrar que ainda há muitos seres há face desta nossa "tugalândia" que pensam nos motards como motoqueiros e consequentemente como a "ralé" da sociedade! o mesmo se passou, e ainda se passa, com os pensamentos acerca dos cmionistas, se calhar para os mais "tapados" deveríamos usar um autocolante ou então uma faixa na mota que diga: "Os motards são simpáticos!"
boas curvas!