sexta-feira, 25 de maio de 2007

A vida na Hayabusalândia

















Para começo de conversa vamos a umas noções básicas de Hayabusalandês, que é a língua que se fala na Hayabusalândia. Como é que se diz quando abres o punho todo em 3ª? “Ai meu Deus!”. Como é que se diz quando descobres que a 1ª dá 120 km/h? “F@ck”. Como é que se diz quando no meio de uma curva rodas o punho 2 mm e adicionas instantaneamente 40 km/h à tua velocidade? Diz-se um esganiçado “Ai mãezinha”. Como é que se diz quando percebes que a 2ª dá 180 km/h? Não se diz nada, engoles em seco. Como é que se diz quando vais confortavelmente na estrada, vês o conta-quilómetros e percebes que a velocidade que levas chega e sobra para te mandar para a cadeia? “Ai JESUS!!!!” Bem vindo à Hayabusalândia, onde todas as estradas são um paraíso, onde todas as paisagens são um borrão colorido, onde os monólogos do capacete são onomatopeias e palavrões, e onde as mulheres são lindas!

Por esta altura deves estar a perguntar-te porque é que carga de água venho eu falar da Hayabusa agora? (Suzuki GSX 1300R para os mais distraídos.) Um modelo com 8 anos, que já bateu vezes sem conta todos os recordes de tempos, e de títulos na imprensa. Por duas razões, primeiro porque considero que há pazadas e pazadas de coisas a dizer sobre a Hayabusa que eu nunca vi/ouvi ninguém a abordar na imprensa tuga, e é pertinente abordá-las porque esta moto continua a ser uma opção relevante para quem está a pensar comprar moto. Segundo, porque como apaixonado de motas uma das coisas que mais curto fazer (sem estar em cima da Busa) é falar sobre motas com pessoal que gosta de falar de motas. Ora a minha ideia aqui e justamente criar um espaço onde essas conversas de café sobre motas possam ter uma dimensão maior.

A Hayabusa é um modelo que não teve alterações desde que foi lançado! Nicles, niente, está exactamente igual ao original lançado em 1999 (excepção feita para os esquemas de cores, e as baínhas com tratamento dourado). E os nossos amigos japas não parecem fazer tenções de ir mudar o estado das coisas tão cedo. Ora, uma coisa parece-me certa, isto não acontece por ser um modelo em fim de vida. Apesar de poder parecer datada, no seu conjunto a Hayabusa se não for a melhor em todos os aspectos, pelo menos está a par da concorrência, e com um preço mais acessível. O que tendo em conta a sua idade e a velocidade louca a que as motos levam actualizações (qualquer coisa como ano sim, ano sim) é absolutamente fenomenal. Mas então o que é que faz esta moto ser relevante?

Não vou inventar, a primeira coisa que espanta ainda hoje na Hayabusalândia é o motor. As capacidades do 4 cilindros em linha de 175 cv fazem-se notar e bem, de maneira tão única que toda a gente o devia experimentar pelo menos uma vez na vida. Tem potência de sobra em todos os regimes, e é tão linear que até faz confusão, não há nem poços nem hesitações, há pura e simples aceleração em todas as mudanças do princípio ao fim das rotações, como se estivéssemos sentados em cima de um hyperdrive a viajar no hiperespaço. Depois o chassis. Parece ter sido afinado com uma delicadeza e precisão cirúrgicas no limite do que uma moto deste tamanho permite. Percebes logo que é fácil de manobrar, não é ultra duro, como se sente numa moto superdesportiva, mas permite uma condução muito aplicada. Até a entrar numa curva a travar ele comporta-se lindamente, sem reacções bruscas e ajudando a corrigir a trajectória. E no que diz respeito a trajectórias é só apontar a frente para onde queres ir e abrir o punho, com slide ou sem ele, ela leva-te lá. Tudo o que o chassis exige do condutor é acreditar que a moto consegue fazer o que é necessário. Porque apesar de tudo se passar com muita rapidez, as reacções ate certo ponto aparecem dentro do previsível. Eu até diria que o chassis foi feito para eliminar todos os sustos que o motor consegue pregar. Isto dá confiança, e andar bem de moto tem tudo a ver com confiança.

Agora o que é igualmente surpreendente é o facto da Hayabusa ser uma moto que podes usar todos os dias, na boa, qualquer que seja a utilização que lhe queiras dar, até as menos óbvias. Andar na cidade? No meio do trânsito compacto? Sem espinhas, a Hayabusa “serpenteia” entre os carros, não direi como uma 600 mas com muita agilidade e tranquilamente. O centro de gravidade é muito baixo e para a frente, o que faz com que, em andamento o seu peso e volume “desapareçam”. As manobras a baixa velocidade são fáceis de fazer.

Circular pacatamente a 40/60 km/h? É canja, o binário monstruoso permite meter a 6ª a partir das 1500 rotações por minuto!, que ela arranca sem um único soluço. Isto é uma grande vantagem para quem quer uma moto para uma utilização diária, em todas as situações. Sim, tem potência a montes, e sim anda que se desunha, mas se quiseres rodar devagarito é possível fazê-lo sem ter um motor nervoso a pedir rotações.

Viagens longas? É só escolheres a velocidade que queres ir: cruzeiro, ligeiramente acima do limite legal, míssil ou warp 9. O motor nunca parece estar em esforço. E quando digo nunca quero dizer que ele chega a todas velocidades que queiras (até ao limite) com decisão e força, ele não vai chegando aos 280km/h ele chega lá num instante, e fica satisfeito de rolar o dia inteiro à velocidade que escolheres.

Auto-estrada? Está em casa. Pápa quilómetros vertiginosamente e com conforto bastante aceitável. Até aos 180/200 km/h a deslocação de ar que apanhas no tronco é pouca, apenas o suficiente para apoiar o peso do teu corpo. A partir daí é preciso a pessoa esconder-se atrás do ecrã, se é que isso é possível... porque não é uma maravilha em termos de protecção, diga-se, foi desenhado no túnel de vento para atingir os tais 300 e tal km/h e não para ser confortável (muitos habitantes da Hayabusalândia optam por pôr um ecrã mais alto, e a coisa resolve-se).

Curvas abertas? É o terreno dela, porque consegues tirar todo o partido do motor e do chassis. Tudo o que é preciso fazer é apontar a frente para onde queres ir, posicioná-la bem na estrada. A entrada em curva é feita com precisão, e suavidade. Ao sair da curva é só rodar o punho para deixares para trás qualquer coisa que tenha rodas. E acima de tudo, se souberes fazer uma condução fluida terás das sensações mais fantásticas que se consegue na Hayabusalândia, porque vais devorar curvas e contra-curvas a uma velocidade que até parece mal dizer.

Curvas apertadas? É óbvio que uma superbike, ou supermoto são mais ágeis a deitar de um lado para o outro, mas também garanto que a Hayabusa em quantidade é igualmente divertida. Ela deita-se com à vontade, mais, ou menos, dependendo dos pneus que usares (os únicos recomendados pela Suzuki e pela Bridgestone continuam a ser os Bridgestone BT056 J, mas outras marcas de pneus têm modelos mais recentes, que recomendam para a Hayabusa, e oferecem performances mais em linha de conta com o que de melhor os pneus têm para oferecer hoje em dia). O segredo para dominar o excesso de potência e tamanho da Hayabusa em estradas com curvas e contra-curvas apertadas, mais uma vez, é começar por fazer uma condução fluida. Em vez de usar altas rotações, onde a potência aparece em doses de cavalo, começa por meter a terceira. O binário brutal vai dar-te aceleração mais do que suficiente para te catapultar de curva em curva, servir de travão-motor, dar-te tracção suficiente no meio da curva, e montes de aceleração à saída. E aqui também ajuda a injecção electrónica irrepreensível, sem hesitações e efeitos tipo desligado/ligado. Assim, à medida que, com o tempo vais tratando a moto por tu, torna-se mais fácil ir fazendo uma condução mais aplicada, usando mais a caixa.

Ir ao café? Sucesso total, ainda toda a gente fica espantada a olhar. O design da moto nunca foi consensual, mas cativa, e pelos “ahs!” que vai suscitando parece ter sobrevivido ao teste do tempo. E depois um gajo fica com um bom ar em cima dela.

Pista? Ela vai lá na boa, e poucas motos devem dar as sensações que esta consegue dar. Com um bom par de pneus tens um festival de peseiras a raspar o alcatrão, ponteiras a soltar faíscas, joelhito a raspar na curva, é o pais da diversão.

Queres uma moto económica? A Hayabusa faz médias de 6,5 l/100km com uma condução descuidada de preocupações com o consumo. Faz média de 5 l aos cem se andares com cuidado e sem passares dos 140 km/h. E se andares alarvemente a fundo, faz média de 8,5 ou 9l/100 km, o que atendendo às velocidades de que estamos a falar é muito bom.

A posição de condução não é nem superradical, nem superconfortável. Eu diria que é confortável qb. O ponto intermédio entre uma Goldwing e uma R6. O banco é molinho, há espaço à farta para mexer o traseiro para trás para a frente e para os lados, para manter a circulação do sangue nas pernas durante largos quilómetros. O assento é baixo, alguém com 1,65m por exemplo chega à vontade com os pés ao chão. E por outro lado, eu que tenho 1,80m encaixo-me perfeitamente, já que as peseiras não são demasiado altas. Nunca, me queixei dos pulsos, nem braços. Só das costas e alguma dormência no traseiro ao fim de um dia de viagem.

Os pelos da tua nuca gostam de sentir o rugido do motor? Meu amigo, nesse capítulo a vida na Hayabusalândia é um estrondo. Com as ponteiras de origem, a partir das 4 mil rpm os teus pelos vão estar sempre eriçados. Como diz o meu broder das curvas aquilo tem som de motor boxter Porche a correr em pista e a cagar rotações. Agora se quiseres pôr ponteiras racings, ou por exemplo o sistema completo Akrapovich, bem... eu já ouvi noutras Hayabusas e aquilo parece que abriram as portas do inferno!


Viajar a dois? É um compromisso razoável para o pendura. O banco é molinho e tem espaço. Mas aqui depende das dimensões do pendura. A minha companheira de viagens, de 1,60m, queixava-se de um fosso entre ela e o condutor (na realidade são dois bancos com uma altura de diferença entre um e outro) e como acabava por não ter apoio à frente as costas sofriam um pouco com isso. O melhor será o pendura apoiar-se no depósito, até por causa das acelerações, desde que o condutor não tenha costas de bodybuilder que dificultem chegar ao depósito. Mas há uma enorme pega atrás, e quanto à protecção do vento, tal como para o condutor, o pendura beneficiará de um ecrã mais alto. A condução não sai prejudicada, sobretudo se afinares correctamente as suspensões para dois.

E como é que se faz parar a besta? Tudo se passa tranquilamente se souberes o que estás a fazer. Com uma excepção, eu uso sempre o travão da frente e de trás em conjunto, e para fazer as coisas ainda mais perfeitas uso o travão-motor. As acelerações brutais de que ela é capaz criam uma inércia que faz com que na altura de alterar esse estado para parar não baste simplesmente dar um toque na manete. Apesar do tavão da frente ter potencia suficiente, eu na maioria das situações no dia-a-dia uso os dois travões em simultâneo. Isto ajuda a baixar o centro de gravidade e distribuir o peso mais pelas duas rodas, em vez de empinar todo sobre a frente, o que dá mais controlo sobre a moto. Depois, como o travão de trás é bom, é mais fácil suprimir kms/h da velocidade que levas. A excepção é a pista, onde as técnicas de travagem podem variar das de estrada, mas isso é um contexto específico. Apesar dos travões não serem a 5ª essência da tecnologia eles são muito bons. Nunca me deixaram ficar mal, mesmo depois de abuso contínuo a manete pode parecer esponjosa mas a capacidade de travagem mantém-se. Num comparativo recente entre a Hayabusa, a ZZR 1400 e BMW K1200 na Superbike Magazine inglesa é curioso ver que a Hayabusa teve o melhor resultado nas travagens!

E falando de motos mais actuais, para perceberem quão actual continua a ser a Hayabusa, que não teve melhoramentos desde que foi feita, vejam, como eu vi, os comparativos que andam a ser feitos. Até a nova ZZR 1400 se vê às aranhas nas recuperações (ok, ponham-me a venda e mandem-me ao cadafalso). É certo que a ZZR deve ser um estrondo de moto (eu nunca andei numa, mas gostava) e é sem dúvida a nova bitola do mercado, campeã dos novos recordes, mas também é verdade que os comparativos têm mostrado que só bate o “velho” 1299 cc por uma margem mínima, não por uma grande margem como seria de esperar, e em determinadas situações a Hayabusa fica taco a taco.

Por exemplo a nova GSXR 1000 é considerada por muitos uma moto perfeita, é um sucesso de vendas em todo o mundo e de 2 em 2 anos é bastante alterada. Mas é dirigida a um público que se caracteriza por correr a trocar a moto à primeira actualização. Ainda que na prática, na vida real, na estrada e até em pista, nós meros mortais que não nos chamamos Max Biaggi, não tiramos mais partido do novo modelo do que aquele que já conseguíamos tirar do anterior. Portanto, a questão que imagino que os tipos da Suzuki se ponham é: melhorar a Hayabusa? No quê? Como fazer uma nova Hayabusa em que as pessoas possam tirar ainda mais partido da condução? Quando? Os Suzuki boys sabem o que fazem, já o têm demonstrado repetidas vezes, não duvido que quando vier a nova Hayabusa o paraíso vai ser ainda mais perfeito.

Mas (há sempre um “mas”) nem tudo são rosas. Na Hayabusalândia come-se pneus ao pequeno-almoço. Tanta potência e binário têm os seus senões. Para já tem que sair por algum lado, e esse lado é o desgraçado do pneu traseiro que desaparece num piscar de olhos (comigo gastam-se num intervalo que vai dos 2 mil aos 6500 kms dependendo da marca e modelo do pneu que eu escolho pôr).

E depois não é uma moto para iniciados. Na Hayabusalândia tudo se passa muito depressa, não vale a pena fingir que não, e também é a terra dos slides. Não dá para não saberes o que estás a fazer em cima dela. Se qualquer moto exige do condutor respeito pela condução, esta exige 175 vezes mais. É preciso ter boas noções de condução, saber curvar e saber reagir. Este é um acelerador que pede alguma aprendizagem, precisa de preliminares ou ela morde. Convém recalibrar o cérebro para este tipo de velocidades. Nomeadamente, saber contar com as distâncias em concordância com este tipo de velocidades, e perceber que, por exemplo, ir deitado numa curva apertada em 2ª e abrir o punho alarvemente só pode dar asneirada.

Também é verdade que o acelerador tem dois sentidos, e eu sou apologista de que a moto só anda aquilo que o condutor quer. Mas é muito, muito fácil veres-te numa situação com excesso de velocidade. Seja a entrar numa curva ou a fazer uma ultrapassagem, ou por e simplesmente porque ao abrires o punho ela acelerou muito mais do que esperavas.

Porém nada disto deve ser visto como defeito, mas sim como feitio. Em relação aos pneus a verdade é que os pneus de hoje em dia oferecem uma performance assombrosa, a custo da duração em qualquer moto de cilindrada média alta que exija o uso de pneus bons, acima da média, esse problema acontece. E, pelo outro lado, desde que a entrada na Hayabusalândia seja feita com os devidos cuidados e preparativos, uma pessoa só pode esperar ser recompensada com boas sensações, em vez de cagaços.

E já agora, como se parece o habitante da Hayabusalândia? É um (ou uma) tipo que não é muito novo, nem muito velho. Assim na casa dos trintas, quarentas. É um tipo que tem de ter alguma liquidez para poder comprar a moto que lhe apetece. Regra geral, tem experiência de andar de moto, pelo menos alguma. É um tipo que gosta de velocidade, mas também já leva algum juízo na bagagem.

Ok, se calhar dizer que a Hayabusa faz as todas mulheres lindas é exagero, isso é mais o que a cerveja faz. Mas a cena é que quando uma pessoa experimenta algo de maravilhoso fica com aquele bom feeling que faz com que aos nossos olhos tudo fique mais bonito. É, ou não é verdade? É disso que se trata quando falamos de andar numa Hayabusa, é uma maravilha, na minha opinião provavelmente a melhor moto do mundo, se a considerarmos no seu conjunto (incluindo o preço) como veículo de transporte pessoal que permite várias utilizações. De tal forma que a sensação que eu tenho de cada vez que ando nela é que estou num mundo à parte: a Hayabusalândia.



Nota sobre alguns dados:
Todos os valores referem-se à minha utilização da minha Hayabusa que tem 3 anos, 47 mil kms e foi comprada nova. As velocidades indicadas são as que marcam no conta-quilómetros. Quanto à potência, 175 cv é o valor declarado pela marca de origem. Consultei vários testes realizados com Hayabusas em banco de ensaio que indicam que a potência na roda é de 160 cv. A minha não tem kitanços nenhuns. A única coisa que já substitui foi o chamado kit de transmissão – corrente e a roda de dentes de trás – por desgaste, aos 30 mil kms, que é o normal (neste tipo de motos, e aí a vantagem vai para a BM que tem veio de transmissão em vez de corrente). Não gasta óleo, muda a cada 6 mil que é a manutenção recomendada pelo fabricante, mas é só.

4 comentários:

manobro12 disse...

essa cena de tirares fotos na tua mota montado num reboque para parecer que vais em andamento é muito hollywoodesco - - eehehehehehehehe
Assinado:)bro, manobro

Unknown disse...

Que grande e excelente texto, eu não diria melhor.
Está mesmo bom e recomenda-se. :)

Phantom disse...

Excelente, revi-me em muitas coisas senão na maioria...
Ja levo 70000 kms feitos num conjunto de duas Hayabusas, sou um dos maiores amantes da Hayabusalandia e embora neste momento tenha outros projectos, em breve estarei de volta á minha paixão e ao meu país de eleição...a Hayabusalândia...
Um abraço boas curvas e continuação de boa escrita.

Milagaia disse...

Sem duvidas, o texto está fantástico! Eu que estou a contar as horas que faltam para ir buscar a minha busa, fiquei completamente arrepiado.
Esta é uma máquina de paixões, por mais racionais que sejamos, ela acaba por nos enfeitiçar e a escolha é feita com o coração. Para mim ela é um sonho que vem de longe e que finalmente vou realizar!

Abraço, contínua a brindar-nos com textos tão bem escritos.