quarta-feira, 30 de maio de 2007

Dica#23: usar contra-brecagem para curvar

Ok tira da cabeça a imagem de rodar ao contrário o voltante de um carro para controlar a traseira. Já está? Já tiraste? Então ‘bora lá explicar que raio é isso de contra-brecar numa mota.

Trata-se de um movimento que é feito com delicadeza para ajudar a mota a inclinar-se com mais facilidade/rapidez para o lado que vais curvar.
Imagina que tens uma curva para a direita (apertada ou aberta, não interessa), ao entrar na curva, se aplicares um pouco de pressão no punho direito da mota (um LIGEIRO empurrãozinho para a frente) a mota vai inclinar-se com facilidade para a direita.

A experiência é simples de fazer. Escolhe uma estrada em recta (cuidado com o trânsito) com muita delicadeza empurra ligeiramente para a frente o punho da direita. A mota deverá inclinar para a direita. Depois repete o mesmo para esquerda, e a mota deverá inclinar para a esquerda.

Porque é que é bom saber isto? É uma técnica que te ajuda a controlar a tua mota com menos esforço físico, porque torna mais rápido o movimento de inclinação, e dá-te maior controlo sobre esse movimento, porque sendo a mão uma parte do teu corpo com grande sensibilidade, permite-te dosear com precisão os graus de inclinação que pretendes.
Por outro lado, ajuda-te também à saída da saída da curva quando precisas de “levantar” a mota. Imagina que estás a curvar para a direita, se fizeres pressão para a frente no punho esquerdo a mota levanta-se (endireita-se) com mais rapidez.

Utilidade prática na estrada? Ajuda-te a fazer um movimento mais rápido para inclinar a mota para curvar, ajuda-te a levantar a mota para sair da curva, ajuda-te a mudar de direcção em curvas e contra-curvas, e ajuda-te a desviares rapidamente de um obstáculo na estrada. Resumindo dá-te maior controlo sobre a mota.

Mas isto não é uma ganda tanga? No próximo Motogp que passar na tv está atento às câmaras onboard. Eles filmam muitas vezes a roda da frente justamente para mostrar o comportamento dela em curva. Vais reparar que quando a mota já vai muito inclinada o piloto ainda faz contra-brecagem e bastante, e que isso tem um efeito imediato de deitar ainda mais a mota. Em especial o Capirossi usa muito.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Dica #19 sobre motas: jogar à sardinha

Eu cá ando na estrada como se toda a gente me quisesse matar. Não é que eu seja maníaco, é que ajuda-me a estar o mais alerta possível. Estou sempre à espera de um carro que salte para a minha faixa, ou para cima de mim, de um peão escondido entre os carros, ou até de outra mota, de alguém que trava quando não tem nada à frente, ou de uma poça de óleo na estrada, de uma ovelha que dá três pinotes e salta para estrada bem no meio de uma curva sem visibilidade (esta já me aconteceu), de um cavalo que estava a pastar foi picado por uma mosca assustou-se e saltou para a estrada quando eu ia a 180 (esta também, ah pois é!). Bem acho que já deu para perceber a ideia. O inesperado acontece. Qual a atitude a ter? Tás a ver o jogo da sardinha? Tens as mãos por cima e não sabes quando vais levar um estaladão nas costas da mão, e estás pronto para safar a mão a qualquer instante. É o tipo de atitude que ajuda a puxar para o teu lado as probabilidades da coisa correr bem na estrada.

A estupidez não compensa

A cena repete-se. É de manhã, acabo de entrar no meu local de trabalho e, enquanto me despacho dos acessórios motociclisticos, um colega comenta “os teus amigos andam a cair que nem tordos!” e acrescenta “hoje vi mais um estendido na 2ª circular”. Ontem foi na IC19, e anteontem já não me lembro. É triste. Não o acidente, isso é mesmo uma grande infelicidade. O que é triste é ter de ouvir sempre os mesmos comentários à cerca dos motociclistas: “são uns anormais a andar na estrada”, “não respeitam ninguém”, “no outro dia pregaram-me um susto”, “não vi quem foi o culpado do acidente, mas o gajo da mota...”, “e tu andas de mota?, olha que a tua pele é o pára-choques” etc, etc. Pessoalmente, não acho simpático, e não é com este tipo de comentários que me fazem deixar de andar de mota. Quanto mais não seja, não são mais do que constatar o óbvio. Toda a gente sabe que há por aí muitos anormais a andar de mota, e que andar de mota tem riscos.
Eu vou respondendo que “anormais a conduzir” não é só nas duas rodas, que não devemos relacionar uma coisa com a outra, e que por outro lado a vida está cheia de riscos. E sim, tenho medo de andar de mota, mas não é o medo do que pode acontecer que me impede de fazer porra nenhuma na vida. Como em tudo na vida que tem riscos, o que posso e devo fazer é tentar minimizá-los ao máximo, tanto quanto é humanamente possível.
E há muitas coisas a fazer ao alcance de qualquer motocilista para tentar minimizar riscos, e melhorar as estatísticas. Conduzir com segurança é uma. Mas vou falar de duas que, por simples observação do que se passa à minha volta, hoje considero não serem assim tão óbvias.

Em primeiro lugar o equipamento.
Todos os dias vejo motociclistas de calcinhas e blazer. Sem luvas, e de sapatinhos ou ténis. Raramente vejo um mesmo bem equipado (sobretudo na cidade). Eu sei que o equipamento é caro e chato de usar - e de carregar quando não estamos a andar de mota. Mas não se armem em parvos! O Shinya Nakano há dois anos teve um acidente a 310 km/h!, numa prova de Motogp o pneu de trás rebentou, ele foi projectado e depois de muitas cambalhotas, e de bater em todos o lados que havia para bater, levantou-se! Não teve lesões porque estava bem equipado. Ora, o que se vende nas lojas é muito parecido ao que ele usa. E mesmo que não fosse igual, igual (porque o fato dele é feito por medida e blá blá blá) tu vais andar a 310 na estrada? Não, não vais. Mas andes como andares, não tenhas medo de parecer o RobotCop. Usa fato completo com as protecções todas, ou em duas peças (blusão e calças), em cabedal de preferência, ou textil para a chuva e frio. Usa botas e luvas de mota, usa protecções de coluna, mesmo que esteja um calor de rachar. Deixa um par de sapatos no escritório, chegando lá trocas as botas. Nada disso faz falta nenhuma até ao dia em que faz toda a falta, logo: usa todos os dias. Seja qual for a tua mota, gastas dinheiro na máquina não és capaz de gastar dinheiro para salvar a pele? Se isso pode salvar-te uma perna, outro membro qualquer ou mesmo a vida num acidente, que raios é uma coisa a fazer no exacto momento de comprar a mota.

Depois há a segunda coisa que é: ser civilizado.
Eu tento não ser estúpido com os demais utilizadores da via pública, justamente porque é pública. E se o gajo do carro tem uma má opinião sobre motards em geral, cabe a cada um de nós em particular educá-los. Eu não sou santinho nenhum a andar na estrada, mas tento ser o mais civilizado que consigo ser com quem anda na estrada para além de mim. Mesmo quando um tipo num carro faz uma anormalidade à minha frente. Por duas razões, nem todos eles são estupidos, e porque acredito que com uma boa atitude cívica é possível ir mudando-lhes a opinião. Se me deixam passar agradeço sempre, se não me deixam passar, eu vou passá-lo na mesma, de alguma maneira, mais tarde ou mais cedo, mas com o máximo de segurança para mim e para ele, e faço-lhe sinal de agradecimento na mesma. Não vou buzinar-lhe, nem pregar-lhe uma razia, nem partir-lhe o espelho ao pontapé. Isso só vai enfurecê-lo ainda mais, e desgraçado do gajo de mota que vier depois de mim. Geralmente, espero ser visto, espero que me dêem passagem, faço sempre sinal a agradecer. Se vou entre filas compactas de trânsito, e não consigo passar entre dois carros, não desato aos berros com o condutor. Espero que me veja e depois agradeço. E se não deixarem passar espero pacientemente. Respeito as filas para pagar portagens, ou para abastecer nas bombas de gasolina, ou para entrar numa parque de estacionamento. Se um carro à minha frente inicia uma ultrapassagem dou-lhe prioridade. Não te esqueças que as motas andam tão rápido que, no tempo que leva um condutor a olhar para o espelho (ou não), pôr o pisca (ou não) e virar o volante, dá para um motard que não se via no espelho já estar em cima dele. Trava, ou abranda, e depois passa-o em segurança, não é isso que te vai atrasar. Quando ultrapasso escolho uma trajectória o mais longe possível do carro, para me proteger, e para o proteger de apanhar um susto (porque pode não me ter visto). Se pisar um risco contínuo para o passar, ainda que na prática não ponha ninguém em risco, faço-lhe um sinal com a mão, como que a pedir desculpa, na verdade fiz uma manobra proibida. Se precisar de chamar a atenção de um automobilista usando a buzina, dou um pequeno toque, e mais outro se continuar a ser necessário, mas não carrego na buzina como se estivesse na Luz a puxar pelo meu Benfica. Resumindo, tento ser o mais paciente possível e civilizado, e tento que o condutor do carro perceba isso. Pensa assim: se quiseres ter uma aventura sexual com uma pessoa que não conheces não chegas ao pé dela e lhe berras aos ouvidos “QUERO IR PÁ CAMA CONTIGO!!! OU VAIS, OU VAIS, OUVISTE?!!!”. Não, pois não. Pelo contrário, vais jogar com a sedução para a consquistar. Em última análise é isso que precisamos de fazer com os nossos amigos condutores de carros. Estas e outras regras de que te vais lembrar quando fores na estrada ninguém nos ensina na escola de condução. Faz parte de sermos pessoas civilizadas. Com elas podemos gerar goodwill. Com tempo é claro. Esta conversa toda vem também a propósito da notícia de que os franceses assinaram em Paris a «Carta de Conduta e Boas Práticas para Motociclistas», o que é muito louvável, e só diz bem da democracia que eles têm. De facto, em matérias do género sempre foram um povo muito à frente. O meu ponto é o mesmo desta iniciativa. É preciso incentivar a boa convivência entre os meios de transporte. Nós não queremos que um automobilista pense “lá vai a besta do motard”, não nos podemos sequer dar ao luxo de deixar que isso aconteça. O que nós precisamos é que, em todos os momentos que ele estiver a conduzir se lembre que andam aí motas, com tanto direito à estrada como ele próprio, que são um veículo com características diferentes na sua mobilidade no trânsito, que isso é bom, e queremos que ele antes de iniciar qualquer manobra tenha isso em conta. E isso, ma friends, pode salvar vidas. Talvez um dia chegue ao escritório e ouça “epá, que bom que é andares de mota, ajudas a resolver os problemas de trânsito” ou “sempre que dou passagem a uma mota, os gajos agradecem-me!, são uns tipos simpáticos”.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

A vida na Hayabusalândia

















Para começo de conversa vamos a umas noções básicas de Hayabusalandês, que é a língua que se fala na Hayabusalândia. Como é que se diz quando abres o punho todo em 3ª? “Ai meu Deus!”. Como é que se diz quando descobres que a 1ª dá 120 km/h? “F@ck”. Como é que se diz quando no meio de uma curva rodas o punho 2 mm e adicionas instantaneamente 40 km/h à tua velocidade? Diz-se um esganiçado “Ai mãezinha”. Como é que se diz quando percebes que a 2ª dá 180 km/h? Não se diz nada, engoles em seco. Como é que se diz quando vais confortavelmente na estrada, vês o conta-quilómetros e percebes que a velocidade que levas chega e sobra para te mandar para a cadeia? “Ai JESUS!!!!” Bem vindo à Hayabusalândia, onde todas as estradas são um paraíso, onde todas as paisagens são um borrão colorido, onde os monólogos do capacete são onomatopeias e palavrões, e onde as mulheres são lindas!

Por esta altura deves estar a perguntar-te porque é que carga de água venho eu falar da Hayabusa agora? (Suzuki GSX 1300R para os mais distraídos.) Um modelo com 8 anos, que já bateu vezes sem conta todos os recordes de tempos, e de títulos na imprensa. Por duas razões, primeiro porque considero que há pazadas e pazadas de coisas a dizer sobre a Hayabusa que eu nunca vi/ouvi ninguém a abordar na imprensa tuga, e é pertinente abordá-las porque esta moto continua a ser uma opção relevante para quem está a pensar comprar moto. Segundo, porque como apaixonado de motas uma das coisas que mais curto fazer (sem estar em cima da Busa) é falar sobre motas com pessoal que gosta de falar de motas. Ora a minha ideia aqui e justamente criar um espaço onde essas conversas de café sobre motas possam ter uma dimensão maior.

A Hayabusa é um modelo que não teve alterações desde que foi lançado! Nicles, niente, está exactamente igual ao original lançado em 1999 (excepção feita para os esquemas de cores, e as baínhas com tratamento dourado). E os nossos amigos japas não parecem fazer tenções de ir mudar o estado das coisas tão cedo. Ora, uma coisa parece-me certa, isto não acontece por ser um modelo em fim de vida. Apesar de poder parecer datada, no seu conjunto a Hayabusa se não for a melhor em todos os aspectos, pelo menos está a par da concorrência, e com um preço mais acessível. O que tendo em conta a sua idade e a velocidade louca a que as motos levam actualizações (qualquer coisa como ano sim, ano sim) é absolutamente fenomenal. Mas então o que é que faz esta moto ser relevante?

Não vou inventar, a primeira coisa que espanta ainda hoje na Hayabusalândia é o motor. As capacidades do 4 cilindros em linha de 175 cv fazem-se notar e bem, de maneira tão única que toda a gente o devia experimentar pelo menos uma vez na vida. Tem potência de sobra em todos os regimes, e é tão linear que até faz confusão, não há nem poços nem hesitações, há pura e simples aceleração em todas as mudanças do princípio ao fim das rotações, como se estivéssemos sentados em cima de um hyperdrive a viajar no hiperespaço. Depois o chassis. Parece ter sido afinado com uma delicadeza e precisão cirúrgicas no limite do que uma moto deste tamanho permite. Percebes logo que é fácil de manobrar, não é ultra duro, como se sente numa moto superdesportiva, mas permite uma condução muito aplicada. Até a entrar numa curva a travar ele comporta-se lindamente, sem reacções bruscas e ajudando a corrigir a trajectória. E no que diz respeito a trajectórias é só apontar a frente para onde queres ir e abrir o punho, com slide ou sem ele, ela leva-te lá. Tudo o que o chassis exige do condutor é acreditar que a moto consegue fazer o que é necessário. Porque apesar de tudo se passar com muita rapidez, as reacções ate certo ponto aparecem dentro do previsível. Eu até diria que o chassis foi feito para eliminar todos os sustos que o motor consegue pregar. Isto dá confiança, e andar bem de moto tem tudo a ver com confiança.

Agora o que é igualmente surpreendente é o facto da Hayabusa ser uma moto que podes usar todos os dias, na boa, qualquer que seja a utilização que lhe queiras dar, até as menos óbvias. Andar na cidade? No meio do trânsito compacto? Sem espinhas, a Hayabusa “serpenteia” entre os carros, não direi como uma 600 mas com muita agilidade e tranquilamente. O centro de gravidade é muito baixo e para a frente, o que faz com que, em andamento o seu peso e volume “desapareçam”. As manobras a baixa velocidade são fáceis de fazer.

Circular pacatamente a 40/60 km/h? É canja, o binário monstruoso permite meter a 6ª a partir das 1500 rotações por minuto!, que ela arranca sem um único soluço. Isto é uma grande vantagem para quem quer uma moto para uma utilização diária, em todas as situações. Sim, tem potência a montes, e sim anda que se desunha, mas se quiseres rodar devagarito é possível fazê-lo sem ter um motor nervoso a pedir rotações.

Viagens longas? É só escolheres a velocidade que queres ir: cruzeiro, ligeiramente acima do limite legal, míssil ou warp 9. O motor nunca parece estar em esforço. E quando digo nunca quero dizer que ele chega a todas velocidades que queiras (até ao limite) com decisão e força, ele não vai chegando aos 280km/h ele chega lá num instante, e fica satisfeito de rolar o dia inteiro à velocidade que escolheres.

Auto-estrada? Está em casa. Pápa quilómetros vertiginosamente e com conforto bastante aceitável. Até aos 180/200 km/h a deslocação de ar que apanhas no tronco é pouca, apenas o suficiente para apoiar o peso do teu corpo. A partir daí é preciso a pessoa esconder-se atrás do ecrã, se é que isso é possível... porque não é uma maravilha em termos de protecção, diga-se, foi desenhado no túnel de vento para atingir os tais 300 e tal km/h e não para ser confortável (muitos habitantes da Hayabusalândia optam por pôr um ecrã mais alto, e a coisa resolve-se).

Curvas abertas? É o terreno dela, porque consegues tirar todo o partido do motor e do chassis. Tudo o que é preciso fazer é apontar a frente para onde queres ir, posicioná-la bem na estrada. A entrada em curva é feita com precisão, e suavidade. Ao sair da curva é só rodar o punho para deixares para trás qualquer coisa que tenha rodas. E acima de tudo, se souberes fazer uma condução fluida terás das sensações mais fantásticas que se consegue na Hayabusalândia, porque vais devorar curvas e contra-curvas a uma velocidade que até parece mal dizer.

Curvas apertadas? É óbvio que uma superbike, ou supermoto são mais ágeis a deitar de um lado para o outro, mas também garanto que a Hayabusa em quantidade é igualmente divertida. Ela deita-se com à vontade, mais, ou menos, dependendo dos pneus que usares (os únicos recomendados pela Suzuki e pela Bridgestone continuam a ser os Bridgestone BT056 J, mas outras marcas de pneus têm modelos mais recentes, que recomendam para a Hayabusa, e oferecem performances mais em linha de conta com o que de melhor os pneus têm para oferecer hoje em dia). O segredo para dominar o excesso de potência e tamanho da Hayabusa em estradas com curvas e contra-curvas apertadas, mais uma vez, é começar por fazer uma condução fluida. Em vez de usar altas rotações, onde a potência aparece em doses de cavalo, começa por meter a terceira. O binário brutal vai dar-te aceleração mais do que suficiente para te catapultar de curva em curva, servir de travão-motor, dar-te tracção suficiente no meio da curva, e montes de aceleração à saída. E aqui também ajuda a injecção electrónica irrepreensível, sem hesitações e efeitos tipo desligado/ligado. Assim, à medida que, com o tempo vais tratando a moto por tu, torna-se mais fácil ir fazendo uma condução mais aplicada, usando mais a caixa.

Ir ao café? Sucesso total, ainda toda a gente fica espantada a olhar. O design da moto nunca foi consensual, mas cativa, e pelos “ahs!” que vai suscitando parece ter sobrevivido ao teste do tempo. E depois um gajo fica com um bom ar em cima dela.

Pista? Ela vai lá na boa, e poucas motos devem dar as sensações que esta consegue dar. Com um bom par de pneus tens um festival de peseiras a raspar o alcatrão, ponteiras a soltar faíscas, joelhito a raspar na curva, é o pais da diversão.

Queres uma moto económica? A Hayabusa faz médias de 6,5 l/100km com uma condução descuidada de preocupações com o consumo. Faz média de 5 l aos cem se andares com cuidado e sem passares dos 140 km/h. E se andares alarvemente a fundo, faz média de 8,5 ou 9l/100 km, o que atendendo às velocidades de que estamos a falar é muito bom.

A posição de condução não é nem superradical, nem superconfortável. Eu diria que é confortável qb. O ponto intermédio entre uma Goldwing e uma R6. O banco é molinho, há espaço à farta para mexer o traseiro para trás para a frente e para os lados, para manter a circulação do sangue nas pernas durante largos quilómetros. O assento é baixo, alguém com 1,65m por exemplo chega à vontade com os pés ao chão. E por outro lado, eu que tenho 1,80m encaixo-me perfeitamente, já que as peseiras não são demasiado altas. Nunca, me queixei dos pulsos, nem braços. Só das costas e alguma dormência no traseiro ao fim de um dia de viagem.

Os pelos da tua nuca gostam de sentir o rugido do motor? Meu amigo, nesse capítulo a vida na Hayabusalândia é um estrondo. Com as ponteiras de origem, a partir das 4 mil rpm os teus pelos vão estar sempre eriçados. Como diz o meu broder das curvas aquilo tem som de motor boxter Porche a correr em pista e a cagar rotações. Agora se quiseres pôr ponteiras racings, ou por exemplo o sistema completo Akrapovich, bem... eu já ouvi noutras Hayabusas e aquilo parece que abriram as portas do inferno!


Viajar a dois? É um compromisso razoável para o pendura. O banco é molinho e tem espaço. Mas aqui depende das dimensões do pendura. A minha companheira de viagens, de 1,60m, queixava-se de um fosso entre ela e o condutor (na realidade são dois bancos com uma altura de diferença entre um e outro) e como acabava por não ter apoio à frente as costas sofriam um pouco com isso. O melhor será o pendura apoiar-se no depósito, até por causa das acelerações, desde que o condutor não tenha costas de bodybuilder que dificultem chegar ao depósito. Mas há uma enorme pega atrás, e quanto à protecção do vento, tal como para o condutor, o pendura beneficiará de um ecrã mais alto. A condução não sai prejudicada, sobretudo se afinares correctamente as suspensões para dois.

E como é que se faz parar a besta? Tudo se passa tranquilamente se souberes o que estás a fazer. Com uma excepção, eu uso sempre o travão da frente e de trás em conjunto, e para fazer as coisas ainda mais perfeitas uso o travão-motor. As acelerações brutais de que ela é capaz criam uma inércia que faz com que na altura de alterar esse estado para parar não baste simplesmente dar um toque na manete. Apesar do tavão da frente ter potencia suficiente, eu na maioria das situações no dia-a-dia uso os dois travões em simultâneo. Isto ajuda a baixar o centro de gravidade e distribuir o peso mais pelas duas rodas, em vez de empinar todo sobre a frente, o que dá mais controlo sobre a moto. Depois, como o travão de trás é bom, é mais fácil suprimir kms/h da velocidade que levas. A excepção é a pista, onde as técnicas de travagem podem variar das de estrada, mas isso é um contexto específico. Apesar dos travões não serem a 5ª essência da tecnologia eles são muito bons. Nunca me deixaram ficar mal, mesmo depois de abuso contínuo a manete pode parecer esponjosa mas a capacidade de travagem mantém-se. Num comparativo recente entre a Hayabusa, a ZZR 1400 e BMW K1200 na Superbike Magazine inglesa é curioso ver que a Hayabusa teve o melhor resultado nas travagens!

E falando de motos mais actuais, para perceberem quão actual continua a ser a Hayabusa, que não teve melhoramentos desde que foi feita, vejam, como eu vi, os comparativos que andam a ser feitos. Até a nova ZZR 1400 se vê às aranhas nas recuperações (ok, ponham-me a venda e mandem-me ao cadafalso). É certo que a ZZR deve ser um estrondo de moto (eu nunca andei numa, mas gostava) e é sem dúvida a nova bitola do mercado, campeã dos novos recordes, mas também é verdade que os comparativos têm mostrado que só bate o “velho” 1299 cc por uma margem mínima, não por uma grande margem como seria de esperar, e em determinadas situações a Hayabusa fica taco a taco.

Por exemplo a nova GSXR 1000 é considerada por muitos uma moto perfeita, é um sucesso de vendas em todo o mundo e de 2 em 2 anos é bastante alterada. Mas é dirigida a um público que se caracteriza por correr a trocar a moto à primeira actualização. Ainda que na prática, na vida real, na estrada e até em pista, nós meros mortais que não nos chamamos Max Biaggi, não tiramos mais partido do novo modelo do que aquele que já conseguíamos tirar do anterior. Portanto, a questão que imagino que os tipos da Suzuki se ponham é: melhorar a Hayabusa? No quê? Como fazer uma nova Hayabusa em que as pessoas possam tirar ainda mais partido da condução? Quando? Os Suzuki boys sabem o que fazem, já o têm demonstrado repetidas vezes, não duvido que quando vier a nova Hayabusa o paraíso vai ser ainda mais perfeito.

Mas (há sempre um “mas”) nem tudo são rosas. Na Hayabusalândia come-se pneus ao pequeno-almoço. Tanta potência e binário têm os seus senões. Para já tem que sair por algum lado, e esse lado é o desgraçado do pneu traseiro que desaparece num piscar de olhos (comigo gastam-se num intervalo que vai dos 2 mil aos 6500 kms dependendo da marca e modelo do pneu que eu escolho pôr).

E depois não é uma moto para iniciados. Na Hayabusalândia tudo se passa muito depressa, não vale a pena fingir que não, e também é a terra dos slides. Não dá para não saberes o que estás a fazer em cima dela. Se qualquer moto exige do condutor respeito pela condução, esta exige 175 vezes mais. É preciso ter boas noções de condução, saber curvar e saber reagir. Este é um acelerador que pede alguma aprendizagem, precisa de preliminares ou ela morde. Convém recalibrar o cérebro para este tipo de velocidades. Nomeadamente, saber contar com as distâncias em concordância com este tipo de velocidades, e perceber que, por exemplo, ir deitado numa curva apertada em 2ª e abrir o punho alarvemente só pode dar asneirada.

Também é verdade que o acelerador tem dois sentidos, e eu sou apologista de que a moto só anda aquilo que o condutor quer. Mas é muito, muito fácil veres-te numa situação com excesso de velocidade. Seja a entrar numa curva ou a fazer uma ultrapassagem, ou por e simplesmente porque ao abrires o punho ela acelerou muito mais do que esperavas.

Porém nada disto deve ser visto como defeito, mas sim como feitio. Em relação aos pneus a verdade é que os pneus de hoje em dia oferecem uma performance assombrosa, a custo da duração em qualquer moto de cilindrada média alta que exija o uso de pneus bons, acima da média, esse problema acontece. E, pelo outro lado, desde que a entrada na Hayabusalândia seja feita com os devidos cuidados e preparativos, uma pessoa só pode esperar ser recompensada com boas sensações, em vez de cagaços.

E já agora, como se parece o habitante da Hayabusalândia? É um (ou uma) tipo que não é muito novo, nem muito velho. Assim na casa dos trintas, quarentas. É um tipo que tem de ter alguma liquidez para poder comprar a moto que lhe apetece. Regra geral, tem experiência de andar de moto, pelo menos alguma. É um tipo que gosta de velocidade, mas também já leva algum juízo na bagagem.

Ok, se calhar dizer que a Hayabusa faz as todas mulheres lindas é exagero, isso é mais o que a cerveja faz. Mas a cena é que quando uma pessoa experimenta algo de maravilhoso fica com aquele bom feeling que faz com que aos nossos olhos tudo fique mais bonito. É, ou não é verdade? É disso que se trata quando falamos de andar numa Hayabusa, é uma maravilha, na minha opinião provavelmente a melhor moto do mundo, se a considerarmos no seu conjunto (incluindo o preço) como veículo de transporte pessoal que permite várias utilizações. De tal forma que a sensação que eu tenho de cada vez que ando nela é que estou num mundo à parte: a Hayabusalândia.



Nota sobre alguns dados:
Todos os valores referem-se à minha utilização da minha Hayabusa que tem 3 anos, 47 mil kms e foi comprada nova. As velocidades indicadas são as que marcam no conta-quilómetros. Quanto à potência, 175 cv é o valor declarado pela marca de origem. Consultei vários testes realizados com Hayabusas em banco de ensaio que indicam que a potência na roda é de 160 cv. A minha não tem kitanços nenhuns. A única coisa que já substitui foi o chamado kit de transmissão – corrente e a roda de dentes de trás – por desgaste, aos 30 mil kms, que é o normal (neste tipo de motos, e aí a vantagem vai para a BM que tem veio de transmissão em vez de corrente). Não gasta óleo, muda a cada 6 mil que é a manutenção recomendada pelo fabricante, mas é só.